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Reavivar em nós a vocação para a profecia

2o  Domingo do Advento – Mt 3, 1-12

Para retomar nossa vocação profética

 

Neste 2º Domingo do Advento, o evangelho lido nas comunidades, Mateus 3, 1 – 12 nos traz a figura de João Batista como quem primeiro anuncia e testemunha a vinda do reinado divino, ou como diz o evangelho de Mateus: reinado dos céus. Para Mateus, quem começou o evangelho foi João Batista, profeta de Israel. A pessoa de João Batista revela que a mensagem do reino é comum aos dois testamentos. Não há solução de continuidade. O fio condutor é a profecia, cuja função é tornar as pessoas capazes de ver os sinais do reino e fazer a vontade do Pai. Esta é que a prioridade da vida seja o núcleo central da missão das pessoas que se colocam no seguimento de Jesus. Como diz o Grito dos Excluídos e Excluídas: A vida em primeiro lugar!

Conforme o evangelho de Mateus, Jesus representa a verdadeira realização do Judaísmo: a plenitude da lei e dos profetas. Então, Jesus deve ser seguido como alguém que está sempre à frente. É como um Advento que vem. E precisa sempre ser preparado. No evangelho, a vinda dele é preparada por um profeta inserido na cultura judaica popular e a partir das referências daquela cultura: o deserto e a profecia. Pelo seu modo de vestir e de viver, João Batista lembra a  figura de Elias, o profeta que para a tradição judaica é figura de todo profeta e profetiza de Deus. Ao reverenciar hoje a figura do profeta João, é bom lembrarmos quem hoje, podemos reconhecer como alguém que, no mundo atual e na nossa realidade, age como precursor ou a precursora da profecia do reinado divino que Jesus traz na sua pessoa. 

Será uma figura política que simboliza para o povo a aproximação da justiça do reino? 

Serão figuras religiosas do Catolicismo Popular ou das religiões afro ou das espiritualidades indígenas que cumprem essa função de precursores do projeto de Deus? 

Será que estamos abertos/as e atentos/as a reconhecer em ministros de outras religiões e pessoas de outras culturas essa função de precursores e precursoras da visibilidade do reinado divino no meio de nós? 

Na antiga tradição bíblica, o povo hebreu foi preparado para a aliança de intimidade com Deus, através de sua organização para caminhar juntos pelo deserto. Nas mais diversas culturas religiosas, encontramos rituais de iniciação e de preparação para ajudar as pessoas e comunidades a viverem plenamente a fé e a espiritualidade. Nas tradições orientais há a prática do retiro. Em algumas tradições budistas, as pessoas vivem períodos longos como monges ou monjas. Nas comunidades afrodescendentes, a iniciação se dá por um tempo de total isolamento e também pela convivência comunitária no templo. Nos caminhos Xamânicos dos povos originários, há uma grande diversidade. Em geral, essa dimensão da solidão e do discipulado na escola de um mestre são elementos fundamentais. É o que a Bíblia chama do deserto (não apenas geográfico, mas espiritual) e o discipulado em relação à profecia recebida de um profeta (ou profetisa). 

As palavras de João Batista pedindo conversão e justiça (e não apenas ritos), são atuais. Ele pede arrependimento, conversão. O texto original diz: “Mudem de mente (metanoiete), porque o projeto divino acabou de chegar (em grego: eggiken). E só Mateus diz isso. Já chegou! 

Nos anos 80 do primeiro século, quando surgiu esse evangelho, foi preciso coragem para afirmar que o reinado divino já tinha chegado. Naquele tempo, afirmar que o reinado de Deus chegou era negar o poder do império romano. E o evangelho afirma isso no tempo em que o Império Romano era mais poderoso e atuante do que nunca. 


Hoje, o que significa afirmar que o projeto divino já chegou? Como podemos afirmar que esse reinado chegou, se o mundo parece caminhar na direção contrária ao projeto do reino? 

Na Igreja Católica, como em Igrejas evangélicas e pentecostais, muitos ministros e grupos cristãos se fecham em uma forma de religião narcisista e autorreferencial, descomprometida com a profecia do reino como transformação do mundo. 

Ao contrário disso, o projeto divino pede antes regressar a uma relação de aliança de fidelidade e compromisso com Deus. r: “Não é quem me diz: Senhor, Senhor que adere ao projeto divino, mas quem, de fato, realiza a vontade do Pai”(7, 21). 

Hoje, podemos atualizar isso dizendo: Para viver a fé cristã como profecia é preciso retomar uma espiritualidade sócio-político libertadora. É quando assumimos as causas da libertação que podemos ser profetas como João Batista e como Jesus e, assim viver o Advento como tempo de retomada da expectativa do projeto que Deus tem para o mundo. 

Assumir as causas da libertação, nós assumimos junto com todos os movimentos populares e partidos  que lutam pela transformação do país e do mundo. No entanto, talvez alguém de vocês me perguntem se não há algum diferencial característico dessa profecia do reinado divino que é a nossa. A pergunta é: Há uma profecia propriamente cristã?  

Não parece que Jesus tenha se preocupado com isso. Ele quis, ele  mesmo se inserir no caminho da esperança e do movimento profético do Judaísmo. No entanto, sem dúvida, há algo de próprio e de novo neste anúncio de João Batista sobre o batismo (mergulho) nessa vida nova. A vida nova que propomos para o mundo tem de começar por nós mesmos que devemos nela mergulhar (ser batizados). 

Profetas antigos apresentaram a aliança de Deus como casamento de Deus com o seu povo. Agora, João diz que o povo rompeu com este casamento e Jesus é o Casamenteiro que vem reatar a união do Pai com a humanidade. No evangelho, João afirma que não precisará desatar as sandálias de Jesus porque, ali, Jesus representa Deus, o Esposo da humanidade. Por isso, quando afirmou que não era digno de desatar as sandálias de Jesus, João Batista alude à cultura patriarcal da sociedade israelita antiga. Para nós, hoje, a espiritualidade é viver mergulhados e mergulhadas em Deus. Vai além da intimidade do casamento. 

Temos de redescobrir como viver uma fé profética, que se expressa no compromisso social e político transformador e, ao mesmo tempo, se renova na relação carinhosa e afetuosa da relação de intimidade com Deus.

 

 

 

 

Poema meditativo de Dom Helder Camara sobre esse evangelho: 

João, mesmo sendo quem és 

não é forte demais tua linguagem?
“Raça de víboras”
e a ameaça de o machado já se achar
na raiz de árvores sem fruto,
são expressões que despertam,
sacodem, convertem, 
ou revoltam e afastam?...


Que ao menos, João,
só nos metamos a usar tua linguagem 

quando vivermos
a metade da dureza de tua vida...  (Recife, 4/5.12.1971) 

 

 

 

 

Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

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