Blog Aqui vamos conversar, refletir e de certa forma conviver.

O que aprender com as tragédias da vida

3º Domingo da Quaresma C – Lc 13, 1- 9. 

O que aprender com as tragédias do mundo

               Neste 3º domingo da Quaresma (ano C), meditamos o trecho do evangelho de Lucas (13, 1 – 9), no qual Jesus usa a linguagem dos profetas bíblicos e convida todos e todas à conversão, profunda mudança de vida. 

Muitas vezes, essas palavras foram compreendidas como se Jesus estivesse ameaçando as pessoas com o castigo de Deus. Muitas vezes, os ministros e pastores das Igrejas falam de Deus dessa forma. Possivelmente, nas próprias comunidades que escreveram o evangelho de Lucas, algumas pessoas compreenderam assim essa palavra de Jesus. No entanto, se fosse assim, Jesus seria incoerente com o modo como Ele fala de Deus, por exemplo, no discurso da montanha, quando diz: “Deus faz nascer o sol sobre os bons e sobre os maus e faz cair a chuva sobre as pessoas justas e também sobre as injustas” (Mt 5,45). O Deus de Jesus não castiga ninguém. Só ama e dá amor. 

Na história da humanidade e até hoje, muitos líderes que promovem guerras não são ateus e sim pessoas que se dizem religiosas. Há até pastores e teólogos cristãos que abençoam armas e guerras. Assim sendo, hoje, mais do que nunca, esse trecho do evangelho precisa ser relido em seu contexto e compreendido, de forma a não passar a imagem de um deus que castiga e se vinga dos que não o seguem. Então, como compreender essas palavras tão duras de Jesus nesse evangelho? Sem dúvida, ele usa aqui o estilo dos antigos profetas, não para ameaçar e sim para pedir conversão às pessoas.  

 

O contexto histórico no qual se situa o texto é que, em meio à sua viagem a Jerusalém onde vai enfrentar o sistema opressor e será morto porque incomoda os opressores e exploradores, Jesus pede aos discípulos e discípulas que prestem atenção aos sinais dos tempos e aprendam a ler o mundo e interpretar a realidade, isso é, a realidade social e política do país e do mundo (Lc 12, 54- 59). 

Jesus ia a Jerusalém com visão clara da sua missão e do seu projeto: enfrentar o poder religioso, econômico e político. Ia como profeta pobre e sem poder. Sabia que seria preso, torturado e morto. Os discípulos, mesmo os mais próximos a ele, não só não o compreendiam, como tinham o propósito contrário: estabelecer o poder religioso e aproveitar Deus do lado deles como força benéfica. 

Nesse evangelho, logo depois de ter feito essa advertência, Jesus é informado a respeito de um massacre de galileus, peregrinos na cidade santa de Jerusalém, um dos muitos massacres de pessoas do povo que Pilatos cometeu como governador. Conforme alguns exegetas, provavelmente, esses galileus eram ligados ao grupo dos zelotas que lutavam contra a invasão do império romano. Por isso, foram condenados à morte e sentenciados. Possivelmente, as pessoas que informaram a Jesus sobre aquele acontecimento terrível queriam saber a posição de Jesus sobre o movimento zelota que, na época, já começava a se levantar contra o Império. Jesus não responde sobre isso. O que ele faz é investir contra a concepção farisaica – teologia/ideologia da retribuição - que acreditava que as tragédias e sofrimentos da vida eram castigos de Deus por causa do pecado das pessoas. Jesus rebate de frente essa posição e pergunta até com certa ironia: “Vocês acham que aqueles galileus que morreram, eram mais pecadores do que outros e mereciam a morte mais do que vocês?” (Lc 13,2).

 Jesus denuncia que todos/as somos pessoas pecadoras e todos/as precisamos de conversão. A dificuldade que essas palavras suscitam, hoje, é que o modo como Jesus fala ainda dá a impressão de um Deus que castiga de modo terrível os que não se convertem.  Nessa história, Jesus muda a imagem de Deus da concepção farisaica, na qual Deus parece enquadrado nas nossas ações. Esse Deus é o fiador das normas, regras e convenções criadas pela religião em nome dele. Na época de Jesus, para os fariseus e religiosos da religião do templo, segundo a lei da pureza e da impureza, Deus dividiria as pessoas em puras e impuras, boas e más, santas e pecadoras. No mundo atual, esse mesmo Deus da religião do templo, seja qual for a religião, cristã, hinduísta, muçulmana ou outra, é o Deus que legitima a desigualdade social. O nome desse deus está nas cédulas de dólar, em paredes de banco e nos palácios do poder. É o Deus das pessoas que se dizem honestas e consideradas de bom comportamento que discriminam as “minorias”/maiorias sociais, sexuais e as categorias mais excluídas da sociedade. 

Jesus mostra que não crê nesse deus. O Deus de Jesus é diferente. Mas, para dizer isso, ele usa a mesma linguagem que, em seu tempo, usou o profeta Jeremias, quando dizia que Israel cairia no cativeiro dos babilônios e muitos iriam para o exílio, pelo fato de que o povo de Jerusalém não tinha sido fiel à aliança de Deus. 

Não devemos ler isso como se Deus provocasse o cativeiro e o exílio.  Temos de compreender que o mal e o sofrimento ocorrem não porque Deus castiga e sim porque, ao não se comportar de forma ética e libertadora, a comunidade se coloca em uma situação de fragilidade e divisão que pode gerar o mal. 

 De fato, é a mesma imagem usada pelo Evangelho quando Jesus basta ver a parábola da figueira estéril. A figueira era comumente símbolo de Israel (Cf. Jr 8, 13, Os 9, 10; Mq 7, 1). É importante ver que o lavrador pede ao dono da lavoura a compreenção de mais um tempo e uma nova oportunidade para a figueira que não produz frutos. Toda essa passagem é marcada pela advertência à conversão. 


O mundo atual é marcado por catástrofes ambientais que ocorrem não por acaso e nem por castigo de Deus, mas como consequência da forma irresponsável como a sociedade dominante maltrata a Terra e destrói a natureza. A Campanha da Fraternidade de 2025 sobre a Ecologia Integral insiste em concretizar a conversão nesse desafio do cuidado com a natureza e da justiça socioambiental como expressão da nossa solidariedade pascal. Nesse evangelho, Jesus mostra que aprender a interpretar bem a realidade e agir a partir dessa visão é parte essencial da fé. É um modo de escutar e acolher a palavra de Deus e colocá-la em prática. 

 No final da década de 1960, Geraldo Vandré escreveu canções de protesto e entre elas escreveu uma que contesta a visão de Deus que a religião oficial propunha. 

 https://youtu.be/4zyfiL00_Rw?si=bSvDc5AA4TbUNXUE

Fica mal com Deus
Quem não sabe dar
Fica mal comigo
Quem não sabe amar

Pelo meu caminho vou
Vou como quem vai chegar
Quem quiser comigo ir
Tem que vir do amor
Tem que ter pra dar

Vida que não tem valor
Homem que não sabe dar
Deus que se descuide dele
O jeito a gente ajeita
Dele se acabar

Fica mal com Deus
Quem não sabe dar
Fica mal comigo

Quem não sabe amar

Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

Informações