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O preço da graça em um mundo sem graça

XVII Domingo Comum: Mt 13, 44 - 52.

                                              O preço da graça em um mundo sem graça

             O evangelho deste XVII Domingo Comum do ano (A), Mateus 13, 44 – 52 conclui a série de sete parábolas com  três pequenas comparações que completam o terceiro grande discurso de Jesus no evangelho de Mateus: o das parábolas do Reino.

        A primeira delas é a história do tesouro escondido no campo. Depois, vem a parábola da pessoa que procura pérolas preciosas e, finalmente, a da rede jogada ao mar. São comparações tiradas de contextos muito diversos. Nas parábolas anteriores a estas, as imagens do reinado divino eram do mundo agrícola e falavam de sementes e de crescimento. Na parábola do tesouro encontrado por acaso no campo, o evangelho diz que o reino de Deus é como algo que já está presente na realidade do mundo atual, presente, embora oculto e é encontrado por acaso. As parábolas anteriores falam em esperar que o reino cresça e apareça. Agora, o evangelho diz que precisamos fazer tudo para procurá-lo e encontrá-lo, para poder tê-lo em nossas mãos.

          A história do homem que encontra o tesouro, em um campo que pertence a outra pessoa e o esconde novamente para comprar o terreno não seria bom exemplo de moral. Há algumas gerações, em épocas nas quais bancos ainda não eram frequentes, principalmente no interior do Brasil, as pessoas contavam muitas histórias de arcas e panelas de dinheiro ou de joias enterradas no fundo do quintal. No Nordeste, se chamavam botijas. Em outros lugares, tinham outro nome. Até hoje, a literatura e o Cinema gostam de histórias de caça ao tesouro.

Na realidade do Brasil e do mundo, em várias ocasiões, famílias pobres têm vendido suas propriedades por preço baixo, sem saber que aquele terreno continha petróleo ou minérios e por isso valia mil vezes mais. Deste modo, muitas comunidades indígenas perderam suas terras ancestrais. 

Provavelmente, ao contar essa história do tesouro enterrado no campo, Jesus esteja se referindo a um fato ocorrido, ou modificava um antigo conto oriental sobre a busca de tesouros. A diferença com o evangelho é que, no caso dessa parábola, Mateus diz que o tal homem não procurava o tesouro. Encontrou por acaso. Como o terreno no qual encontrou o tesouro não era seu, o homem esconde o tesouro e compra o campo para possuir o tesouro. No caso do comerciante de pérolas, ele vivia, sim, à procura de uma pérola de grande valor. Quando a encontra, vende tudo o que tem para comprar a pérola. As duas parábolas se parecem, mas com algumas diferenças. Em ambas as parábolas, se insiste que para se ter o reino que Mateus chama de reino dos céus, é preciso se renunciar a tudo o que se tem diante da preciosidade do reinado divino. Outra semelhança entre essas parábolas é que falam de profissões que eram mal vistas pela sociedade da época e pela cultura religiosa judaica antiga. As diferenças entre as duas parábolas é que na segunda parábola, o reino é comparado, não com alguma coisa e sim com uma pessoa que procura pérolas preciosas.


Também a parábola da rede jogada no mar também lembra uma profissão não bem-vista pelo povo da Bíblia. A pesca no mar evocava a agressão imperial dos babilônios (Hab 1, 15- 17) e os pescadores, categoria que lidavam com peixes puros e impuros. Assim, Jesus revela que o reinado divino se realiza a partir das situações ambíguas da vida. Ele é sempre subversivo em relação aos valores e padrões do mundo. 

              As parábolas do tesouro e do negociante que, por acaso, encontra a pedra preciosa retomam uma questão fundamental. Jesus anuncia o reinado divino para todas as pessoas e todas podem acolhê-lo. Ao mesmo tempo, as imagens são sempre ligadas a categorias humanas ou pobres como lavradores, pescadores, mulheres, donas de casa, ou mal vistas como comerciantes e forasteiros. Os nossos locais de trabalho são as realidades a partir das quais o reino de Deus se revela. Nada de palácios, nada de templos ou catedrais. O reino acontece no cotidiano da vida. Mas, há uma exigência fundamental. O reino pede compromisso radical e exigente. 


         Dietrich Bonhoeffer, pastor e teólogo mártir do nazismo, interpretava essas parábolas dizendo que a graça divina é de graça, mas, contraditoriamente tem preço alto. É como o tesouro e a pérola que alguém encontra de graça, mas para possuir o tesouro ou a pérola, tem de arriscar tudo, vender tudo o que tem para poder comprar o terreno e, assim, poder tomar posse do tesouro ou da pérola. Bonhoeffer falava do “preço da graça”. Aparentemente é contraditório dizer que a graça de Deus é gratuita, mas “custa caro”. Na nossa vida, isso continua assim: a graça é gratuita, mas pede que apostemos tudo para poder receber a graça de viver o projeto divino nesse mundo. O reino é de Deus e vem pela graça, mas não virá de forma milagrosa, sem nossa participação. Pede a entrega de nossas vidas. 

          A parábola das redes é parecida com a do joio e do trigo. Supõe etapas. O momento que vivemos é de paciência e aceitação das diferenças. Só no final da história haverá a distinção dos bons e maus. Para a cultura do evangelho, o mar é local de perigo e enfrentamento.  O trabalho do reino não está em separar os peixes. Está em jogar as redes e enfrentar o mar.


          Certamente, no mundo atual, temos outras situações que podem ser parábolas do reino de Deus no mundo. Essas sete que Jesus contou em seu discurso são como amostras para que descubramos outras parábolas mais atuais, através das quais o reinado divino se manifesta no mundo. O importante é que elas sejam como essas de Jesus, inseridas na realidade do mundo dos pobres, abertas a todas as culturas e sempre evocadoras de que é preciso transformar a realidade. 

Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

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