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Eucaristia, recordações e desejos.

Eucaristia, recordações, amor e desejo

                  Ao procurar viver uma fé mais profética do que uma religião cultual, há anos e anos, venho tentando me libertar de uma cultura comum na Igreja Católica centrada na celebração de missas para tudo e para nada. Minhas recordações de infância já me fazem voltar aos quatro ou cinco anos de idade, acompanhando meus pais à missa em Camaragibe. Cresci na Vila Operária, me emocionando cada ano com as procissões do Santíssimo Sacramento pelas ruas ornamentadas. Achava lindos os altares de madeira armados nas praças públicas para as paradas da procissão e admirava as mocinhas escolhidas para, vestidas de anjinhos, jogarem pétalas de rosa no padre que carregava a hóstia consagrada.

Mais tarde, já no Mosteiro, entre os cânticos gregorianos mais belos admirava o Pange Lingua e o Adeste Fideles, atribuídos ao grande Santo Tomás de Aquino. E a festa de Corpus Christi era um dos poucos encontros entre a liturgia oficial e a devoção popular. 

De tudo isso, fica o encantamento pela liturgia, o prazer espiritual e, posso dizer mesmo místico, de presidir uma celebração eucarística. Até hoje e, espero que sempre, a celebração da ceia de Jesus ocupa um lugar absolutamente central na minha vida de fé. Até hoje, não consigo celebrar uma vigília pascal sem me emocionar profundamente. Quando celebro a eucaristia, tenho nos meus olhos, a figura de mestres como Dom Helder Camara e o irmão Pedro Recroix chorando como crianças em plena oração eucarística. Com emoção e gratidão me recordo de ler a história dos mártires cristãos de Abilene no norte da África no início do século III. Eles foram avisados pelo imperador de que seriam poupados da condenação à morte. Bastava o compromisso de não se reunirem mais para celebrar a ceia de Jesus. E a resposta unânime de todo o grupo foi: “Sem a ceia do Senhor, não podemos viver”.   

Pois é justamente por levar assim tão a sério a celebração da ceia de Jesus que não aceito o sacramentalismo litúrgico que prende a ceia do Senhor em um rito engessado e muitas vezes sem vida. Não posso aceitar o rito cortado da vida e da realidade que ele deveria expressar. O atual rito da missa parece valorizar mais a devoção e a sacralidade das espécies consagradas do que a comunhão e da partilha que deveriam ser o centro e o eixo de toda celebração eucarística. É justamente por amar demais a eucaristia que não aceito mais reduzi-la a uma celebração de estilo sacrificial, centrada no celebrante, vestido como sacerdote de um rito religioso pagão.

Em nossa Igreja, parece mais atual do que nunca a crítica que a comunidade joanina fez ao ritualismo eucarístico já no final do século I. Essa atitude crítica foi tão forte que levou a comunidade a eliminar do quarto evangelho qualquer alusão ao ritual eucarístico e a acentuar o lava-pés que a ceia deveria significar. Peço a Deus que, no lugar das longas, prolixas e racionais orações eucarísticas do atual Missal Romano, possamos ter como preces eucarísticas nossas as palavras de carinho e as declarações de amor e de intimidade que, conforme o quarto evangelho, Jesus dirigiu à sua comunidade na hora da ceia. E possamos receber na eucaristia o pão e o vinho. E os recebamos não mais como comunhão realizada e sim como senha ou código para realizarmos a partir daí a comunhão que seria a partilha com  os irmãos e irmãs e a abertura do que somos e do que temos com as pessoas em necessidade. 

Agradeço ao papa Francisco ter afirmado recentemente que, hoje o Corpo de Cristo são os migrantes e clandestinos. Ele acrescentou: corpo de Cristo vendido e comprado nos altares do mercado como moeda de troca e de interesses entre os poderosos do mundo. No nosso país hoje, o Corpo de Cristo é o corpo coletivo dos povos originários, principal vítima desse governo genocida. 

No século IV, Santo Agostinho ensinava aos novos batizados na noite de Páscoa: “O que vocês veem no altar, o pão e o vinho são sinais (sacramentos) do que nós somos. Nós é que somos o Corpo de Cristo. E o pão e o vinho consagrados representam o que nós somos. Quando vocês vierem comungar e o celebrante disser a cada um: Corpo de Cristo. Vocês respondem Amém ao que vocês são. Vocês são o Corpo de Cristo e o pão é corpo de Cristo para que vocês se comportem como corpo de Cristo. Respondam Amém ao que vocês são: Corpo de Cristo” (Sermão 207). 

Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

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