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Em meio a tantos conflitos, quem é do Cristo Ressuscitado

Marcelo Barros

Neste 4º Domingo da Páscoa do ano C, o lecionário propõe como evangelho João 10, 27 a 30. São apenas três versos quase do final da polêmica de Jesus com os religiosos do templo e guardiães da lei de Deus que tinham dificuldade de aceitar a proposta do evangelho e todas as suas consequências.

O contexto histórico dessas palavras teria sido a festa da Dedicação do Templo. Era uma festa anual que recordava a nova consagração do templo depois que este tinha sido profanado pela conivência dos sacerdotes da época dos Macabeus com os conquistadores sírios. Na época dele, de novo, sacerdotes se aliavam aos romanos para manter o poder e seus privilégios. Quando sabemos da origem desta festa, compreendemos porque Jesus foi ao templo e atacou duramente os sacerdotes e funcionários da religião a serviço dos dominadores romanos. Ao se apresentar como verdadeiro Pastor do povo, Jesus chama os governantes e os religiosos de sua época de maus pastores, ladrões e salteadores.

Neste último trecho do debate, em versículos anteriores ao texto lido hoje, os religiosos do templo lhe pedem: “Se tu és o Cristo, dize-nos abertamente” (v. 24). E Jesus responde: “Vocês não acreditam em mim porque não são das minhas ovelhas” (v. 26).

Muito provavelmente, esse conflito entre Jesus e os religiosos do seu tempo foi transcrito no final do século I pelo evangelho de João para responder aos conflitos internos da comunidade cristã naquele momento em que o evangelho foi escrito. Na comunidade, havia um grupo cristão muito preso à lei, aos costumes religiosos judaicos e a uma religião tradicional que considerava errada e herética a a postura muito livre de alguns da comunidade que tinham rompido com a sinagoga e com os ritos. O evangelho lembra o debate de Jesus com os religiosos do templo de Jerusalém para mostrar aos cristãos da comunidade joanina de que lado Jesus estava: do lado da liberdade e da profecia.

Atualmente, vivemos outra ordem de conflitos internos nas comunidades eclesiais, mas o espírito que está por trás não é diferente. Tanto na época do evangelho como hoje, grupos conservadores e tradicionalistas  se apresentam como sendo mais religiosos do que os outros e parecem tratar sempre de assuntos de fé. No entanto, no fundo, legitimam a política genocida que nos domina. Há poucos dias, um centro de católicos de extrema-direita publicou no you tube um programa contra Dom Vicente Ferreira, bispo auxiliar de Belo Horizonte e acusavam o bispo até de não acreditar na ressurreição de Jesus. Mas, o que está por trás é que o bispo está denunciando profeticamente os crimes da Vale em Minas Gerais e está falando publicamente contra o desgoverno que se apoderou do Brasil.

Na época do evangelho, Jesus propunha distinguir quem é pastor e quem é funcionário. Est parábola tinha um sentido político, porque, na sua cultura, os governantes eram chamados de pastores. No entanto, o debate de Jesus não era diretamente com os políticos romanos. Era com os religiosos judeus do templo que serviam como mediadores para que o império melhor pudesse oprimir o povo.

Atualmente, aqui no Brasil, há uma semana, a assembleia da CNBB publicou uma Mensagem ao Povo Brasileiro. Nela, os bispos fazem uma análise crítica da atual situação social e política do Brasil e responsabilizam claramente o governo. Imediatamente, 42 bispos se negaram a assinar e alguns fizeram declarações públicas contra a nota da maioria dos bispos, seus irmãos.

Em situações assim, às vezes, as pessoas se perguntam: como eu posso ter certeza de estar do lado do Cristo? Nestes momentos, Dom Pedro Casaldáliga respondia: “Na dúvida, se coloque sempre do lado dos mais pobres”. Mas, mesmo isso nem sempre é muito claro. E nos tempos do evangelho, não eram para os cristãos judaizantes, como no tempo de Jesus não era para os que debatiam com Jesus no templo.  

Nos versículos que lemos hoje, Jesus propõe três atitudes que revelam quem pode dizer que é ovelha do rebanho do Cristo. Três posturas que dizem se, de fato, pertencemos ao seu convívio de intimidade. No texto do evangelho que escutamos hoje, Jesus afirma claramente: “Minhas ovelhas escutam a minha voz, como voz do Pastor que as conduz, elas me conhecem e me seguem”. Então, as três atitudes são: escutar, conhecer e seguir.

Como se concretizam hoje estas três atitudes em relação ao Cristo?

No evangelho do domingo passado, Pedro e os apóstolos só conseguiram êxito em sua missão, quando escutaram a palavra de Jesus: joguem a rede à direita da barca. É a escuta da Palavra que serve de critério e nos abre ao conhecimento do Pastor que nos guia. Um conhecimento que não é só intelectual. Não é apenas teórico. É pessoal e íntimo como um relacionamento amoroso. Escutar supõe se abrir ao chamado que nos pede mudanças. Conhecer significa se identificar com a causa do reino de Deus que Jesus testemunhou e anunciou. Como diz o apóstolo Paulo: “tenham em vocês os mesmos sentimentos e o mesmo modo de ser que foram os de Jesus (Fl 2, 5). Seguir é consequência do escutar e do conhecer. Significa mais do que caminhar atrás. É atualizar para hoje a causa e o projeto de Jesus.

A luz do Cristo Ressuscitado se revela cada vez que conseguimos criar relações humanas profundas, capazes de perdurar no tempo e no mais profundo de nossas vidas. Conforme as palavras de Jesus, isso é dom de Deus, Pai de amor, que inspira a toda humanidade a viver a vocação do amor solidário nesta construção de um mundo novo possível. 

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Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

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