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Deus vem instalar no mundo uma festa sem exclusões

XXIV Domingo comum C: Lc 15, 1- 32. 

A verdade escancarada: Deus é amor, festa sem exclusão

Neste XXIV Domingo comum do ano C, o evangelho proposto é todo o capítulo 15 de Lucas. O contexto continua o mesmo do capítulo 14, durante a subida para Jerusalém, tratando das refeições e de quem pode e quem não pode ter acesso à grande festa do reinado divino. Para algumas correntes de espiritualidade, o próprio fato de Jesus dar tanta importância às refeições e à comida já parece estranho para os padrões religiosos. No entanto, os evangelistas testemunham que Jesus aceitava a companhia e o convívio de cobradores de impostos e de pessoas consideradas pecadoras. Por isso, os fariseus e religiosos o criticavam. Era considerado boêmio demais para ser bom religioso e as companhias com as quais andava não eram pessoas recomendáveis, diziam os fundamentalistas.

Para as pessoas que o criticavam por isso, Jesus contou três parábolas. As duas primeiras formam um par, uma centrada em um homem e outra em uma mulher. A primeira se refere ao pastor de cem ovelhas que perde uma e sai em busca da que se perdeu. A outra, a parábola feminina fala da dona de casa que tem dez moedas e perde uma e busca a que perdeu. A conclusão é que Deus se comporta assim em relação às pessoas: vai sempre em busca de quem se desviou e, ao encontrar, faz festa para todos e todas. Essas duas primeiras parábolas preparam a terceira que é a mais importante: a do pai que tem dois filhos e faz festa pelo filho que fracassou no intento de viver sua autonomia e voltou. 

Quando falam desse evangelho, padres e pastores, pondo foco nos “perdidos”, falam em parábolas de conversão. Mas, como falar de conversão no caso de uma ovelha que se desgarra do rebanho ou de uma moeda que se perde da gaveta onde deveria estar? Mesmo na parábola do filho que volta e pede perdão ao pai, o evangelho não fala em conversão. O assunto que volta nas três histórias é a alegria que gera festa. A alegria do pastor ao encontrar a ovelha perdida, a alegria da mulher ao achar a moeda e a alegria do pai com a volta do filho. São parábolas para explicar a alegria e a festa. Jesus age como se alguém o surpreendesse em lugar pouco recomendável e ele respondesse: Não sou só eu que estou aqui. Eu já vim porque descobri que o próprio Deus está aqui. 

De fato, ao ouvir esse evangelho, em uma comunidade de jovens lavradoras, uma delas sussurrou para a amiga: “Gente, parece que o próprio Deus caiu na gandaia!”[1]

 Há alguns anos, a revista francesa “O mundo das religiões” publicou um número sobre como é o humor nas diversas religiões e na introdução, citou uma afirmação do cineasta e ator Woody Allen: “Deus deve ter bom senso de humor. O problema é que, cada vez mais,  no mundo, ele encontra menos razão para achar graça em alguma coisa”. 


Seja como for, na espiritualidade muçulmana, os dervixes sufi entram na relação com Deus através da dança. No Judaísmo, há uma festa que se chama “A alegria da Lei” (Sinchat Torá). É quando os rabinos se embriagam, dançando com os rolos da Torá. Nas manifestações de religiões populares, a festa é um elemento fundamental. No entanto, em geral, as religiões ainda parecem muito dominadas pela sisudez e pelo rigor. 

Com sua postura inesperadamente acolhedora em relação às pessoas consideradas perdidas pela religião e através dessas parábolas da misericórdia, de fato, Jesus evangeliza Deus, ou seja, o torna uma boa notícia para um mundo excludente: Deus é só amor e só pode amar, acolher, perdoar e ressuscitar nossas relações feridas. Nunca Deus tinha sido apresentado assim. No Nordeste, se diria: parece mãe de bandido que, seja como for, espera sempre que o filho volte para casa e volte para viver. É pura gratuidade e corresponde à Mãe que, no Catolicismo Popular do sertão nordestino, descrito por Ariano Suassuna no Auto da Compadecida, é representado por Maria, a Compadecida. Esse é o Deus de Jesus: que sua imagem seja a de alguma nossa Senhora da piedade popular católica, ou de algum Orixá de culto afrodescendente. É o puro amor que Jesus nos revela. 

Nas redes virtuais,  grupos católicos tradicionalistas e pentecostais  fundamentalistas disseminam a imagem de um Deus cruel que elimina inimigos e destrói as pessoas e grupos que não forem de acordo com os dogmas dos chefes religiosos que sequestraram Deus e se consideram seus donos. Falam o que  querem em seu nome e transformam Deus em instrumento do ódio desses senhores à humanidade. São favoráveis à pena de morte e se colocam do lado do Estado de Israel na política de genocídio e extermínio do povo palestino. No entanto, quando lhes convém, fazem propaganda por uma anistia que é inconstitucional – O art. 5º da Constituição de 1988 proíbe anistiar quem atentou contra as instituições democráticas - e nem teria sentido visto que eles não assumem sua culpa. Há quem pense que ao colocar contra a anistia, os movimentos populares querem vingança. Nada disso. Trata-se de justiça e de defesa do direito e da democracia, que precisa ser fortalecida e jamais extinguida. Defendemos a justiça restaurativa e inclusive anti-prisional, mas para quem quer colaborar com a justiça, reconhece o seu crime e se propõe a mudar.  

É triste ver que ainda há bispos e pastores dispostos a votar em políticos assassinos, desde que apoiem os interesses moralistas e econômicos de suas Igrejas. No tempo de Jesus, na época das comunidades de Lucas e ainda hoje há muitas pessoas e grupos religiosos que se comportam como o filho mais velho, o mais perdido. O mundo produz muitos tipos de ódio. Deles, o mais perigoso é o religioso, porque é travestido de santidade e de pureza. Foi o que Jesus mais combateu. Martinho Lutero, o reformador da Igreja, afirmava: “Deus prefere a blasfêmia do ímpio que é justo do que o aleluia do injusto”. 

Essas parábolas do capítulo 15 de Lucas parecem ter com pano de fundo o capítulo 31 do profeta Jeremias. Se isso é verdade, elas nos trazem o anúncio de uma nova aliança entre Deus e a humanidade, aliança baseada na  nossa disponibilidade para acolher as pessoas e comunidades dispersas e reunir no amor o que somente no amor pode ser salvo. 

 Baião das Comunidades

Zé Vicente

Somos gente nova vivendo a união,

Somos povo semente de uma nova nação ê, ê....

Somos gente nova vivendo o amor,

Somos comunidade, povo do senhor, ê, ê...

 

Vou convidar os meus irmãos trabalhadores

Operários, lavradores, biscateiros e outros mais.

E juntos vamos celebrar a confiança

Nossa luta na esperança de ter terra, pão e paz, ê, ê.

 

Vou convidar os índios que ainda existem,

As tribos que ainda insistem no direito de viver.

E juntos vamos reunidos na memória,

Celebrar uma vitória que vai ter que acontecer, ê, ê.

 

Convido os negros, irmãos no sangue e na sina;

Seu gingado nos ensina a dança da redenção.

De braços dados, no terreiro da irmandade,

Vamos sambar de verdade, enquanto chega a razão, ê, ê.



[1] - A expressão “cair na gandaia” vem do espanhol (gandaya). No Brasil, ficou conhecida entre as pessoas na época do carnaval e de outras festas populares, no sentido de "cair na folia", festejar, comemorar; fugir da rotina do cotidiano e aproveitar determinado período de tempo para aproveitar a oportunidade.

Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

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