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Conversa, sábado, 30 de maio 2015

Meus amigos me trazem notícias sobre a cerimônia de beatificação de Monsenhor Romero. Por isso resolvi escrever essa carta:

Querido irmão Dom Romero, 

Em primeiro lugar, peço a você e a Deus perdão por mais uma vez ter sido ingênuo e, sobre esse assunto da sua beatificação,  ter deixado "cair a profecia" sem que eu percebesse que ela tinha caído...

Mesmo tendo aprendido do meu mestre, o padre  Comblin que esses processos de canonização se tornaram instrumentos de manifestação do poder eclesiástico romano e atualmente têm pouco de evangélico, confesso que, dessa vez, me enganei. Como a cúria romana reconheceu que havia errado em relação a você - e resolveu retomar o processo de sua canonização, pensei que isso teria uma boa conseqüência social e política para El Salvador, para a América Latina e para a nossa Igreja.

Estranhei quando vi pela imprensa que seria uma cerimônia imensa, de três horas de duração com centenas de bispos e padres, com todas as pompas romanas que esse pessoal adora tanto e às quais têm pleno direito. Mas, relevei isso. Cada um fala a linguagem que compreende. Essa não era a sua linguagem nem é a minha. Mas, fazer o que se até hoje na Igreja os nossos irmãos ainda não aceitam aplicar a si aquela palavra de Jesus: "Vestem-se com túnicas solenes e adoram sentar nos lugares mais importantes das assembleias...." 

Percebi que,  o fato de beatificar você desse modo como fizeram não fará a Igreja retomar a sua profecia. Ao contrário, tentam canonizá-lo para torná-lo um ícone da instituição.

Estranhei mais ainda quando soube que o lema escolhido para a cerimônia foi apresentar você como mártir do amor e da reconciliação  (nada de justiça nem de libertação). E o que diziam é que você foi um bispo de profunda oração, gostava muito da adoração ao Santíssimo Sacramento e era fidelíssimo ao magistério de Roma.... Sem dúvida, foi. Mas, segundo eles, é por isso que você é santo... Que coisa estranha? Onde esconderam o verdadeiro Oscar Romero?

Como não perceberam que Roberto d'Arbuisson, filho do coronel - presumido mandante do crime - estava lá presente nos lugares reservados às autoridades. Todo mundo sabe que, há algum tempo, ele tinha ido pessoalmente a Roma pedir para que interrompessem o processo. 

Certamente, agora não precisa mais fazer isso porque, para beatificá-lo, o cardeal Angelo Amato (presidente da Congregação para a causa dos santos) e o bispo Vicenzo Paglia,  postulador do processo de Romero, inventaram um outro santo, o colocaram no seu lugar e lhe deram o seu nome. Assim, hoje, mesmo as pessoas que mais fizeram oposição ao seu nome, agora são todos seus devotos. Os bispos de El Salvador - sucessores daqueles que nem vieram ao seu sepultamento (a não ser Mons. Rivera y Damas, seu amigo), estavam todos lá. Agora podem estar. Quem não estava era você. E eu me felicitando pela oportuna beatificação.

Perdoe-me esse engano que deve ter sido provocado por algum vício profissional de quem no fundo ainda espera alguma modificação de uma instituição que não muda.

Deixe ainda eu lhe pedir uma última coisa no final dessa mensagem: lá no céu, onde sem dúvida, sem depender de Roma, você está, dá uma forcinha para que, mais tarde, eu não tenha de escrever uma carta semelhante ao meu querido Dom Helder, sobre quem também começaram o mesmo processo....

Que Deus ajude o papa Francisco nesse trabalho imenso...

Abençoe esse seu pobre e ainda não santo irmão Marcelo 

Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

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