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Conversa, sábado, 02 de junho 2012

Queridos irmãos e irmãs, amigos/as de caminho, 

Estou encerrando meus dias em Havana e alguns de vocês me pediram um relato mais detalhado do que encontrei aqui e de como vejo a realidade de Cuba e do mundo a partir de Cuba.

Em primeiro lugar, devo dizer que passei poucos dias (uma semana) e com contatos muito direcionados, pessoal da embaixada da Venezuela em Cuba, irmãos e irmãs do Centro ecumênico Martin Luther King e algumas pessoas de base com as quais me encontrei. Vim aqui para realizar mais um dos eventos mensais que a embaixada da Venezuela promove a cada mês sobre o pensamento social e político do presidente Hugo Chávez. Considero muita confiança em mim o fato deles sem me conhecerem pessoalmente terem me chamado do Brasil e pago o bilhete de passagem (que não é barato) para que, apenas em uma tarde, eu falasse sobre bolivarianismo e espiritualidade. A sala Alba (aliança bolivariana dos povos) em Havana estava super lotada. O público era em sua maioria das embaixadas (cumprimentou-me o embaixador do Equador, o do Paraguai, do Irã e de outros países, além de diretores do Centro filosófico José Marti, pessoal do comitê central do partido comunista cubano, muitos/as venezuelanos/as que moram em Havna ou estão passando por aqui. (O texto de minha conferência colocarei neste blog, assim que chegar ao Brasil).  

É bom dizer logo de entrada que eu vim a Cuba algumas vezes, sempre assim, por uma semana ou dez dias. Nunca mais do que isso. As primeiras vezes, vim a convite do comitê central do partido comunista para dar cursos intensivos sobre como se pode ler a Bíblia em uma perspectiva socialista (1987- 1988). Depois vim dar cursos no Centro Martin Luther King e uma vez vim a convite do Conselho ecumênico de Igrejas de Cuba (organismo evangélico) que queria refletir sobre como evitar ou agir como Igrejas em caso de uma invasão norte-americana na ilha (Era o ano 2003 e se dizia que Bush tinha um plano de invadir Cuba). Lembro-me com emoção de um pastor pentecostal que dizia: “Há 50 anos que eles nos atacam e nos ferem de todos os modos, mas nunca conseguiram que o nosso povo renunciasse à sua dignidade”. É exatamente essa minha impressão permanente e atualizada desse país. Terra de um povo muito digno. Um país há mais de 50 anos bloqueado, que quase nenhum país do mundo aceita comercializar para não perder o comércio com o império. Um país pobre e que resiste em situação de muitas dificuldades econômicas e sociais. Mas, não se vê um mendigo na rua, ontem o Secretário mundial da UNICEF (organismo da ONU para a infância) declarou em Genebra que Cuba é um país no qual não existem crianças de rua, nem menores abandonados, fenômeno que hoje se vê mesmo nos EUA e em países ricos da Europa. Aqui não há. E é claro que para mim é ótimo sair nas ruas, andar por todo o centro da cidade e não ver um único vendedor na rua, nem biscateiro. Que tranquilidade uma cidade de dois milhões de habitantes como Havana ainda com o trânsito que minha Recife tinha nos anos 50 e não ter nenhum Shopping Center (sei que isso não é uma boa notícia para todo mundo). Viajar pelo país sem ver nenhuma publicidade comercial nem out doors de multinacionais que nos dominam nos outros países.

Claro que há muitos problemas. Salários ainda muito baixos, a cesta básica gratuita muito reduzida, a maioria das habitações que desde a revolução (1959) não vê uma par de cal ou uma reforma. Nesses dias, soube (muito confidencialmente) de um ministro de Estado a quem o filho adolescente pediu um tênis da moda que se pode comprar em uma loja para turistas e o pai teve de responder que não concordava com aquele consumo, mas que mesmo que aceitasse, seu salário não dava para comprar o tênis. Imaginem isso em um país como o nosso.

Uma boa notícia: organismos internacionais (UNESCO) patrocinam a restauração da Habana Vieja. Conheço vários países do mundo, quase todos do nosso continente e alguns da Europa e nunca, nunca vi um conjunto arquitetônico tão bonito e harmonioso como Habana Vieja, hoje quase toda restaurada e limpa. (Faltam ainda algumas ruas secundárias). Do ponto de vista político, mais do que há dez anos, senti o povo tranquilo e convivendo melhor com a pluralidade, internet, oposição liberal, etc, sem necessariamente demonizar o adversário (hoje fazem a distinção entre adversários que podem ser honestos apesar de reacionários e os inimigos que combatem mesmo a revolução e com os quais não se pode dialogar). Lamento que o país viva ainda essa política econômica das duas moedas, um peso convertível para os turistas e estrangeiros (equivalente a mais do que um dólar americano) e o peso cubano real que vale nem sei quanto, mas é como dez vezes menos do que o outro. E há um comércio para os turistas (peso convertível) o comércio para os cubanos que não têm acesso às lojas dos turistas. É lamentável isso. Embora o país precise de divisas e não tenha como fazer diferente na atual crise econômica, como leigo e de fora, penso que a solução não pode ser essa. Não é justo nem correto.

Outro assunto: durante décadas, a Igreja Católica combateu o regime e este se defendeu proclamando-se laical (não ateu) e discriminando os católicos. Nos anos 80, os evangélicos fundaram um Conselho ecumênico de Igrejas (A Igreja Católica não quis participar) e esse entrou em um diálogo com o governo e tanto de um lado como de outro, isso ajudou a uma evolução das mentes e da realidade. De poucos anos para cá, a hierarquia católica conseguiu uma melhora nas suas relações com o governo. Frei Betto com suas visitas aqui serviu de mediador e ajudou muito nisso. O seu livro “Fidel e a Religião” contribuiu muito para abrir os quadros do partido a uma visão menos preconceituosa da Igreja e vice-versa. Há poucos meses, o governo gastou milhões de dólares (milhões mesmo) com a visita de três dias do papa – o Vaticano pediu que o governo mandasse um avião cargueiro a Roma só para trazer dois papa móveis (se um quebrasse, o outro deveria estar disponível). Um voo desses custa quase três milhões de dólares. Mas, aí tinha também o avião do papa (presidencial), a construção de uma casa só para ele dormir uma noite em San Cristobal, um edifício de três andares na nunciatura em Havana para ele e seu séquito de uma dezena de cardeais e secretários... O governo tinha de pagar passagem e lanche para dois milhões e meio de cubanos virem a Havana ver o papa. Fez isso para manter esse difícil diálogo. Espero que tenha adiantado...

O motorista que me levou ao aeroporto me contou que nesses dias em todo o país se discutem as eleições para a assembleia do povo. Todo mundo vota e se não quiser mais manter os seus deputados no Congresso, podem, a qualquer momento, tirá-los. É só apresentar os motivos e fazer o processo na justiça que é simples e tem ocorrido. Quanto aos deputados, quando eleitos, ganham durante o mandato o que ganhavam na sua profissão (salário de professor, de costureira, de médico de família ou da profissão que ele/ela tinha ao ser eleito/a. Ninguém entra na política para ganhar mais do que ganhava antes. Que bom. E ainda dizem que um pais como o Brasil seria mais democrático do que esse.

Bom, deixo vocês com essas impressões e opiniões. Fico à disposição para mais discussões e conversas, se quiserem ao vivo e a cores. Pelo momento, um abraço do irmão Marcelo.

Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

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