Blog Aqui vamos conversar, refletir e de certa forma conviver.

​Conversa, quinta feira, 22 de novembro 2012

Hoje é o dia nacional (ou norte-americano) de ação de graças. Sobre isso escrevi um artigo que sairá na imprensa na próxima semana. Mas, resume bem o que penso sobre isso: 

Por que dar graças

No Brasil, desde os anos da ditadura, os governos têm se esforçado para integrar no calendário festivo a terceira quinta feira de novembro como dia nacional de ação de graças. Apesar dos cultos feitos em catedrais e de shows de músicas religiosas, promovidos por prefeituras, esse feriado norte-americano não se enraizou no Brasil. Nos Estados Unidos e alguns outros países marcados pela cultura norte-americana, o dia de ação de graças é uma grande festa de confraternização. Só quem não dá graças é o peru morto na véspera para alimentar as famílias que agradecem.

Sem dúvida, é positivo que sejamos educados e sempre convidados a desenvolver sentimentos de reconhecimento e gratidão. É importante ser gratos a Deus ou para quem não crê, cantar como Violeta Parra, “gracias à la vida”, uns aos outros e ao universo. A gratidão e a alegria de dizer sim fazem parte de uma postura de amor. Não conheço nenhum hino ou canção religiosa que seja mais expressiva da gratidão para com a vida (e então para com Deus) do que Gracias à la Vida e aqui no Brasil "O que é, o que é" do Gonzaguinha. "Viver e não ter a vergonha de ser feliz e cantar, e cantar...". Há sempre mil razões para se alegrar e para dar graças. 

Entretanto, para que a ação de graças seja verdadeira tem de ser coerente e justa. Não podemos usar a ação de graças como argumento para atribuir a Deus, ou ao destino e à vida, coisas que nada têm a ver com Deus ou com a bênção da vida. É provável que até hoje, muitas pessoas atribuam a Deus a riqueza que possuem, o êxito que tiveram ao explorar os outros ou o fato de que outros morreram, mas a tal pessoa que agradece escapou sã e salva. Há movimentos espiritualistas, católicos e evangélicos, que leem ao pé da letra o versículo do salmo que diz como palavra de Deus para o seu fiel: “Podem cair mil ao teu lado, dez mil à tua direita, a ti nada de mal atingirá” (Cf Salmo 91, 7).

Sobre tudo isso, é preciso deixar claro: o Deus que salva alguns privilegiados e deixa morrer ou sofrer uma porção de outros filhos não é pai de todos. Ao contrário, é o Deus do capitalismo selvagem. Não merece nossa adoração. É o ídolo ao qual os ricos podem agradecer o fato de ter uma casa confortável, o carro do ano ou uma boa conta no banco. Assim, no dia de ação de graças, uma pequena elite tem muito o que agradecer, enquanto a multidão dos empobrecidos ou agradece os bens espirituais, já que não possuem nada, ou iludidos e alienados, agradece ao Deus da elite os benefícios dados aos seus patrões.

Na Bíblia, o livro dos Salmos é a coleção dos hinos de louvor e agradecimento a Deus. Os salmos nos ensinam a um louvor que sempre une a pessoa que ora à comunidade de todo o povo de Israel e à história real da humanidade. A relação com Deus não se dá na legitimação das estruturas injustas. No mundo, ocorrem muitas coisas que não são do agrado de Deus e nem correspondem à sua vontade. Agradecer a Deus a obtenção de riquezas injustas é insultá-lo e chamá-lo de protetor de ladrões e malfeitores, diz o livro do Eclesiástico (Eclo 18, 34 ss). Os evangelhos contam que Jesus agradeceu ao Pai de uma forma muito diferente: “Pai, eu te agradeço, porque escondeste tuas coisas aos sábios e entendidos e as revelaste aos simples e aos pequeninos” (Mt 11, 25).   


Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

Informações