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A profecia da alegria no meio das dores da luta

Natividade de São João Batista - Lc 1, 57. 66 - 80

                                                As festas juninas, profecia de um tempo novo

            Na tradição das antigas Igrejas, João Batista é o único santo do qual, além de celebrar o martírio no dia 29 de agosto, celebra-se, principalmente, o nascimento no dia 24 de junho. Sem dúvida, as festas juninas são festejos que vêm de culturas anteriores ao Cristianismo que festejavam o solstício do verão no hemisfério Norte. Assim como a celebração do Sol invencível no solstício do inverno no Norte deu origem à festa de Natal (no século IV), também as celebrações do solstício do verão originaram a celebração do nascimento de João Batista, precursor do Cristo, "Amigo do Esposo" e Testemunha da Palavra de Deus.

No Nordeste do Brasil e em várias regiões, as festas juninas tomam caráter semelhante às antigas festas do nascimento do Sol na Europa e correspondem às festas do Inti Raimi, festas do Rei Sol, na tradição indígena dos Andes. Até hoje, por toda a cordilheira da Bolívia ao Peru e Equador, em junho, se espalham essas festas que tinham caráter fortemente religioso em adoração ao Sol e hoje continuam como manifestação das culturas originárias. 

Temos de apoiar essas tradições e ver nelas a inspiração divina de que o Amor Divino vem como fogueira iluminar e aquecer nossas noites de inverno e nos libertar do frio que pode gelar o mais profundo das  nossas vidas. Para muitas culturas, a festa do nascimento de São João Batista traz a recordação de nascimentos que representam o início da nova aliança  que o Amor Divino vem fazer em nossas vidas.  

  O texto do evangelho de Lucas que conta o nascimento de João Batista, (Lucas 1, 57. 66- 80),  afirma que, quando se completaram os tempos,  Isabel deu à luz a um filho. O relato se centra na discussão sobre o seu nome. O pai Zacarias confirma: Ele se chamará João, nome que significa “Deus dá a graça”. O anjo que anunciou o seu nascimento tinha previsto: Muitos se alegrarão com o seu nascimento.  

  No Nordeste do Brasil, a maioria do povo toma essa palavra do anjo ao pé da letra. Os festejos de mudança de estação nos legaram a fogueira, os fogos e as danças características desse tempo. A importância do profeta João Batista para a fé cristã faz com que, celebremos em junho, algo daquilo que, no mundo inteiro, se celebra em dezembro, no Natal de Jesus: a alegria da luz.  De fato, originalmente na natureza, essas festas juninas são marcadas pelo solstício do inverno (o sol que ressuscita e recomeça a nos dar dias mais longos e luminosos). E no Cristianismo, o nascimento de São João Batista significa um solstício dentro do coração da gente: ele anuncia o nascimento do Sol da Justiça que é o Cristo. 


  Para o quarto evangelho, João é o amigo do Esposo que se alegra com a vinda do Esposo. Trata-se da alegria messiânica, alegria radical, mesmo no meio das dores da vida. É alegria que antecipa a vitória da salvação, ou seja, da libertação definitiva e revolucionária da vida e do universo. Essa subversão divina é profetizada por dois sinais familiares que parecem milagres e o são em um mundo no qual nada é gratuito.

 1º - Deus faz a mãe, mulher estéril, dar à luz.

2º - Faz o pai mudo recuperar a fala e profetizar. 

Assim se inicia o tempo novo da salvação. No primeiro testamento, várias das grandes matriarcas do povo de Deus foram apresentadas como mulheres estéreis: em primeiro lugar, Sara, mulher de Abraão. Também Raquel, mulher de Jacó. Também, a mãe de Sansão e ainda Ana, mãe de Samuel entre outras figuras. 

O salmo 113 diz: “Deus torna a mulher estéril mãe feliz de muitos filhos e filhas”. Em um mundo no qual a esterilidade da mulher era sinal de maldição e era instrumento de marginalidade, Deus mostra a sua misericórdia ao abrir o útero das mulheres estéreis.

Em hebraico, a compaixão divina é rahamin e este termo vem de rehém; útero. Isso significa que a compaixão solidária de Deus é o amor uterino – amor de mãe que se revela ao abrir o útero estéril de nossas vidas. 

O nascimento de João Batista revela em primeiro lugar que Deus renova o seu amor de compaixão, o seu amor uterino pela humanidade. Este foi o primeiro sinal que provoca alegria no nascimento daquele menino.   

 

O segundo sinal é que Deus faz o pai e patriarca que estava mudo falar e profetizar o novo tempo que surge com  esse nascimento. O pai de João Batista era sacerdote e se torna profeta. Como seria bom que, hoje, Deus transformasse os sacerdotes em profetas.  

Esse evangelho de hoje sublinha no nascimento a figura da mãe. Ao dar a luz a João (o nome significa Deus acha graça na gente e nos dá a sua graça), Isabel abre o mundo ao Novo Testamento. 

  A  festa de hoje revela que o Espírito nos fala e o reino de Deus já começa, seja quando uma florzinha brota na secura das estradas do mundo,  seja quando duas pessoas vivem o amor, seja em todos os gestos de generosidade humana, empoçada no coração de cada um/uma de nós. Como no evangelho que conta o nascimento do profeta João Batista, o Amor Divino em nós nos faz passar da esterilidade para a fecundidade, da mudez para a comunhão. 

Que Deus abra o útero envelhecido, meio endurecido de nossos corações quando parecemos estéreis e nos faça parir o mundo novo do qual tanto precisamos. Solte nossa língua presa a tantas convenções para dizer: o novo chegou. Somos todos e todas, profetas e profetizas dessa alegria messiânica. 

 

 Hino medieval da festa de São João Batista. 

(a partir do qual no século XI, o frei Guido de Arezzo criou as notas musicais).

 

Doce sonoro, ressoe o canto,

minha garganta faça o pregão,

solta-me a língua, lava-me a culpa, 

ó São João!

 

Anjo no templo do céu descendo, 

teu nascimento ao pai comunica, 

de tua vida, preclara fala, 

teu nome explica. 

 

Súbito mudo, teu pai se torna, 

pois da promessa, incréu duvida:

apenas nasces, renascer fazes

a voz perdida. 

 

Da mãe no seio, calado ainda, 

o Rei pressentes num outro vulto.

E à mãe revelas o alto mistério

Do Deus oculto. 

 

Louvor ao Pai, ao Filho unigênito, 

e a vós, Espírito, honra também:

dos dois provindes, com eles sois, 

um Deus. Amém[1].

 



[1] - Hino Ut quean laxis… tradução de Dom Marcos Barbosa. Hino das 1as Vésperas desta festa. Ver LITURGIA DAS HORAS, Volume III, Ed. Vozes, Paulinhas, Paulus, Ave Maria, 2000, p. 1369.

Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

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