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A força da nossa esperança

Domingo de Ramos: Mc 11, 1- 10.

A resistência da esperança e da alegria

Na liturgia latina, seguida por várias Igrejas no Ocidente, a celebração desse domingo junta a bênção e procissão de Ramos, (tradição antiga da Igreja de Jerusalém) com a celebração da Paixão que, nos primeiros séculos, a Igreja de Roma celebrava nesse domingo. (A tradição da sexta-feira santa surgiu algum tempo depois).

A bênção de ramos é muito querida do nosso povo simples porque se liga às bênçãos das folhas sagradas nas religiões de matriz africana e aos rituais da Jurema Sagrada e do Santo Daime nas de tradições indígenas. No Catolicismo popular, as pessoas costumam levar o ramo bento e colocar nas portas ou paredes de sua casa como sinal da bênção divina.
Meditemos aqui o evangelho lido nesse domingo para a celebração de ramos: Marcos 11, 1- 10 e quem quiser meditar e aprofundar o relato da paixão segundo Marcos, encontrará subsídio para essa meditação e pode usá-la em um ofício meditativo de leitura orante da Palavra.

O relato da entrada de Jesus em Jerusalém é contada de forma simbólica e muito viva. Parece teatro de rua. Um discípulo do profeta Zacarias já tinha anunciado um tempo novo de libertação para o povo, expresso através da entrada de um rei manso e humilde em Jerusalém, montado em um jumentinho e aclamado como alguém que traz a paz (Zc 9, 9- 10). No caso de Jesus, esse gesto simbólico reúne um grande grupo de peregrinos vindos do campo, da Galileia... O evangelho explicita: "ramos trazidos do campo". Os ramos lembram o tempo da caminhada no deserto e, por isso, aclamar a Deus com ramos nas mãos se tornou costume judaico, até hoje, presente em alguns lugares, na festa das Tendas.

O evangelho de Marcos conta que o povo saudava Jesus gritando: "Hosana, Bendito o que vem em nome do Senhor", palavras do salmo 118, cântico da festa das Tendas. O fato deles estenderem mantos nas ruas para Jesus passar era um gesto conhecido que se realizava com libertadores políticos. Tudo isso dá a esse texto do evangelho a conotação de manifestação política feita por um grupo subversivo que, simbolicamente e de forma não violenta, se apodera da cidade de Jerusalém.
Zacarias tinha profetizado a entrada na cidade de um rei pacífico, mas vencedor. Agora, conforme o evangelho, Jesus entra, não como rei conquistador e sim para enfrentar o poder religioso e político. Não se apresenta a Jerusalém como alguém poderoso e sim como profeta do interior, pobre e sem poder. Ao que tudo indica, ao aceitar esse tipo de entrada, Jesus já percebe que, ali, será preso e morto. Infelizmente, ainda há muitos padres e pastores que continuam falando da entrada de Jesus como um rei messiânico vencedor.

O evangelho de Marcos nos aponta três lugares que marcam a caminhada de Jesus a Jerusalém: o primeiro é Betfagé, nome que significa "casa do figo verde" (teria alguma coisa a ver com a história simbólica da figueira estéril?). O outro é Betânia, aldeia onde Jesus se hospeda. O nome Betânia significa "casa do pobre". De fato, naqueles dias, Jesus se abriga em Betânia que é perto de Jerusalém e lhe permite ir e voltar a pé da cidade, mas ele se hospeda em Betânia e é realmente um pobre. Conforme o evangelho de João, ele está ali se refugia em Betânia, porque em Jerusalém seria logo preso. E o último dos lugares, citado por esse evangelho, é o Monte das Oliveiras, onde segundo alguns textos bíblicos, vai acontecer o julgamento de Deus sobre o mundo. Então, o nosso relato de Ramos tem algo a ver com o julgamento de Deus sobre o mundo. É como se Jesus, ao entrar em Jerusalém, já nos dissesse que a vinda definitiva de Deus começou a chegar e aquilo ali tudo tinha de mudar. Só que o julgamento de Deus não se dá em termos de grandeza e poder e sim através da cruz e da inserção no meio do povo mais pobre e simples.
Então, para o povo do interior que subia a Jerusalém para a Páscoa e acompanhou Jesus naquela entrada na cidade e também para os discípulos de Jesus, aquela cena serviu para animar a esperança messiânica, a esperança de uma intervenção libertadora de Deus que viria salvar o povo. Parece que a tradução exata do Hosanah aramaico é "salva-nos dos romanos". Mas, a pergunta agora para nós pode ser: e para Jesus o que significou e o que ele quis dizer com aquela cena. E o que ela pode dizer para nós, hoje?

Jesus aparece ali como resistente e que enfrenta o poder opressor como pobre e pequeno, impotente, mas intransigentemente coerente com o que pensa e o que propõe. De um lado, hoje, ele nos diz que guerras e intervenções militares não resolvem nada e não é o projeto divino para libertar o povo da violência e das injustiças que sofrem. Também nos diz que a libertação vem sempre dos pequenos, dos que parecem impotentes e marginalizados. E de forma não violenta. A esperança da vitória é da vitória da cruz, da doação da vida, mesmo quando essa vitória não aparece.

Há poucos dias, celebramos o aniversário do martírio de Marielle Franco. Nada justifica ou compensa o sacrifício de uma vida, mas como a doação de sua vida gerou uma mobilização e uma união de milhões de pessoas, pelo Brasil e pelo mundo... Hoje, em todo o mundo, celebramos a memória do martírio de Oscar Romero, o mártir da teologia da libertação e da caminhada das comunidades eclesiais de base.

É desse tipo de vitória sofrida e doída que a nossa esperança se nutre. É a esperança pascal. É o que nos faz continuar a luta, seja como for e custe o que custar... Como a luta de Jesus e a de todos/as que querem ser discípulos/as de Jesus.

Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

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