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eucaristia: modelo de sociedade

A eucaristia e a segurança alimentar de um mundo desigual

                  Neste XVIII domingo comum do ano (A), o evangelho (Mt 14, 13- 21) nos traz um dos relatos nos quais Jesus reparte comida com a multidão faminta no deserto. Este episódio ficou conhecido como “multiplicação dos pães”. Os evangelhos não usam esta expressão. O termo usado é repartição do pão. Assim se valoriza o dom divino que deve sempre ser partilhado e, claro que, ao partilhar, como que se multiplica. 

Para Jesus, o assunto da partilha do pão, símbolo e instrumento da partilha da vida é tão importante que os evangelhos nos trazem seis versões diferentes deste mesmo acontecimento. Mateus e Marcos contam a mesma história duas vezes com poucos detalhes diferentes. Lucas e João contam cada qual uma vez. Todas as narrativas desta cena se inspiram na antiga história do maná que os hebreus receberam de Deus durante a sua caminhada pelo deserto (Ex 16). Aos hebreus que no deserto não tinham o que comer, Deus fez chover o maná. No entanto, havia duas condições: o primeiro era não acumular. O maná que se guardava para o dia seguinte apodrecia. Tinha de ser o pão de cada dia. E como não podia ser acumulado, o maná era repartido entre vizinhos e familiares. 

No texto que lemos neste domingo, Mateus insiste que Jesus foi para o deserto assim que soube da morte de João Batista. Isso quer dizer que ele quer garantir que a missão profética de João continue. Ele não foi para o deserto para descansar (como Marcos tinha interpretado) nem para fazer retiro. Jesus foi ao deserto para garantir a continuidade da profecia. Ele queria mostrar que Herodes mata um profeta, mas não pode matar a profecia. E no deserto, Jesus faz a profecia de forma diferente de João. João batizava e pedia conversão – mudança de vida. Jesus cura as pessoas doentes e manda os discípulos repartirem comida para o povo faminto. Se queremos ser discípulos de Jesus e não apenas de João, é preciso entendermos nossa missão assim: cuidar das pessoas com amor. Curar é cuidar e a nós é dirigida até hoje esta palavra de Jesus aos discípulos naquele dia no deserto: Dai-lhes vós mesmos de comer. Então, cuidar da segurança alimentar das pessoas não é apenas uma obra de caridade social. É profecia do evangelho. Não é algo além da missão. Ao contrário, é a essência, o cerne da profecia de Jesus. 

Naquele dia, ao cair da tarde, os discípulos preocupados com o bem do povo pediram a Jesus que mandasse o povo embora para suas casas, tanto para que não desfalecessem. Hoje no meio da pandemia, é triste ver padres e pastores fazerem o contrário. Pensam apenas em abrir Igrejas e fazer os seus cultos. Jesus compreendeu sua missão como curar e garantir a segurança alimentar. 

Neste domingo, a Igreja colocou como primeira leitura da eucaristia um texto de um profeta anônimo do final do século VI A. C. Nós o conhecemos como o 2º Isaías. E a sua profecia diz: “Vocês todos que estão com sede, venham às águas. Mesmo sem dinheiro, venham comprar e comer. Não vão precisar de pagar pelo vinho e pelo leite” (Is 55, 1). Hoje, grupos da sociedade civil como o coletivo que se chama “Ágora dos/das Habitantes da Terra” pressionam a ONU para que reconheça a água, a terra, o ar, os alimentos fundamentais e as vacinas contra o vírus como bens comuns da humanidade, que não podem e não devem ser objetos de comércio. 

A Oxfam, organização internacional que luta contra a pobreza, calcula que, no mundo atual, 700 milhões de pessoas passam fome. Conforme os cálculos, a atual pandemia lançará mais 132 milhões de pessoas em situação de fome. Até o final do ano, é possível que, a cada dia, só de desnutrição, morram até 12 mil pessoas. No Brasil, a cada dia, aumenta o desemprego, as desigualdades sociais e a insegurança alimentar. 

Tanto nas Igrejas evangélicas, como na Igreja Católica, há organismos que continuam a ajudar as pessoas carentes. Na Igreja Católica, organizações como a pastoral das pessoas em situação de rua e a Caritas realizam projetos que vão além do assistencialismo e da ajuda emergencial. No entanto, ainda são raros os organismos de Igreja e pastores efetivamente comprometidos com movimentos sociais e iniciativas que atuem politicamente para transformar o mundo. Sem desmerecer este belo trabalho, é pena que nos organismos da sociedade civil para transformar as estruturas do mundo, combater o Capitalismo e ensaiar um novo mundo possível, ainda se encontrem poucos representantes das Igrejas. 

Independentemente do fato de serem pessoas religiosas ou não (a maioria não é), o papa disse aos representantes de movimentos sociais que eles são profetas (e profetizas) do reino de Deus. No entanto, parece que estas palavras encontram pouca ressonância no âmbito das Igrejas locais e principalmente no modo da maioria dos bispos e padres pensarem a missão. Para eles, esta é ainda essencialmente religiosa e pouco ligada ao social e menos ainda ao político. (Claro que não estou me referindo aos grupos católicos e evangélicos mais tradicionais que abertamente apoiam o atual desgoverno brasileiro e em outros países os governos mais contrários ao povo oprimido). 

Este evangelho nos convida a aprofundar a espiritualidade da partilha. Conforme os evangelhos, ao distribuir o pão Jesus pronuncia a bênção. Isso liga a partilha do pão de cada dia com a santa ceia na qual Jesus nos dá a si mesmo como pão que alimenta nossas vidas. É missão profética de todo cristão fazer com que nossas celebrações eucarísticas possam ser de novo sacramento e instrumento desta partilha de vida. E toda a nossa vida seja ação de graças e partilha. 

 

Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

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