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Conversa, quarta feira, 22 de junho 2016

Depois de uma viagem longa e na qual o motorista se enganou e andamos mais uns 60 km, cheguei a Maricá, cidade do litoral mais ou menos a uns 80 km ao norte do Rio de Janeiro.

Cidade de tamanho médio, bem organizada, com saneamento básico e onde o transporte público (ônibus) é gratuito para todos.

Na entrada da cidade, a prefeitura está construindo o Hospital Municipal Dr. Ernesto Che Guevara. 

E desde a rodovia vemos um grande painel onde está escrito:

"Nesses dias, Maricá é a capital da Utopia". Ontem começou aqui o Festival Internacional da Utopia... Na beira da praia, várias tendas enormes: acampamento da juventude e várias tendas de discussão. Na sexta pela manhã, devo participar de uma mesa redonda na "Tenda dos Intelectuais".   

Na vinda no carro, perguntei ao motorista se ele sabia o que é utopia. Ele me respondeu: Já ouvi falar de uma doença com esse nome, mas não sei bem como é ou se é perigosa... 

Respondi com sinceridade:          

 - De fato, você tem razão. A utopia é como uma doença. Pega a gente e não larga... É a doença das pessoas que precisam de uma esperança para viver e por isso semeiam e plantam esperanças novas no mundo.... 

Ele concluiu:

- Então é uma doença boa... E todo mundo precisa dela... 

Talvez o festival devesse se chamar "das utopias", porque, embora todas tenham a mesma raiz e o mesmo horizonte último, elas se desenvolvem como ramos da mesma árvore em direções diversas. E existem utopias políticas, utopias sociais, utopias religiosas, utopias afetivas... Muitas utopias, todas filhas da mesma raiz:  a opção de não se deixar envolver pela "normose" do mundo... e apostar na fé do que não vemos, mas consagramos nossas vidas para torná-lo real... 

Bernanos dizia que se a juventude esfriar, o mundo inteiro bate os dentes... Para ele esse calor interno que faz a juventude pegar fogo é justamente a Utopia.... na qual cremos e que queremos realizar. Para isso, começamos a ensaiá-la pouco a pouco, desde já...

Nesse espírito, reparto com vocês um poema que anteontem traduzi do espanhol e que eu não tinha visto ainda em nenhum livro. Tirei-o de um caderno impresso artesanalmente: 

Vou passar a vida.... 

Vou passar a vida

mais ou menos inútil,

mais ou menos poeta

Não terei tido um filho,

Não terei sido magnata nem gerente de lucros,

nem pedreiro ou mecânico,

 Terei plantado algumas árvores, contadas,

e terei escrito uns livros,

muitas cartas,

 folhas, filhos ao vento.


Procura sempre que a Graça e a Ternura

enchem de vinho novo

tua ânfora de barro.

É à sua maneira que Deus mede a eficácia.

 Ama a todos os seres humanos.

Dize tuas palavras como sementes

que morrem, mas brotam.

Faze do teu coração celibatário e só

um lugar ambulante e destrancado.

uma lona de circo meio rasgada.

Deixa as digitais dos teus pés peregrinos,

como beijos em chama solitária

sobre a carne da Mãe Terra.

Pousa teus olhos quentes, já de ocaso,

como lamparinas de azeite, bem colocadas,

na vigília universal do Tempo.


[1] - Traduzi esse e outros poemas do livro em polígrafo "Todavía estas palabras", Pedro Casaldáliga, 1994.

Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

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