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Para uma Igreja que ajude na resistência aos golpes

  Nesse 13o Fórum Social Mundial participam 60 mil pessoas, dizem os organizadores. O tema é "Resistir é criar. Resistir é transformar". E hoje devo participar de dois painéis,  um sobre como as Igrejas podem colaborar com essa resistência e o segundo como a Teologia pode desenvolver uma reflexão mais profunda que ajude a resistência transformadora. Vou partilhar aqui com vocês algo do que penso dizer:

No primeiro painel “As Igrejas no cenário de golpes da América Latina”, o próprio título merece um cuidado maior. Os golpes aconteceram e acontecem. Mas, dentro de um sistema de Democracia formal e burguesa pelo qual lutamos, porque é o que ainda conseguimos hoje e já como conquista do povo. No entanto, ao mesmo tempo, temos sempre de ter consciência de que esse sistema é por natureza discriminador e anti-povo. Nesse sentido as Igrejas se inserem na luta contra o golpe, mas devem ser sinais e instrumentos que apontam para uma Política totalmente nova e um modo de organizar o mundo que radicalize o que chamamos de Democracia participativa e mesmo direta. No século IV perguntaram a Teodoro de Mopsuécia, um pai da Igreja Oriental, o que é a Igreja e ele respondeu: Deveria ser o ensaio de um mundo novo. Deveria ser. Pois é, o Fórum Social Mundial começou e trabalhou até agora com essa meta de um outro mundo possível.

Então, como Igreja, o nosso programa é duplo: resistir e ao mesmo tempo ousar ensaiar o novo. No resistir temos que reconhecer: se os povos indígenas e as comunidades afrodescendentes, quilombolas e de terreiros, foram capazes de resistir 500 anos, certamente, eles e elas são os nossos melhores professores de resistência. Eles podem conduzir a nossa resistência. Temos de nos guiar por eles e aprender deles lições de resistência criativa e transformadora.

Ao mesmo tempo, as Igrejas têm de voltar ao espírito de origem. Não como volta ao passado, mas como força de resistência para se atualizar. Todo mundo sabe que o Cristianismo que está aí praticado e vivido em nossas Igrejas se tiver, tem menos de 5% do espírito que moveu Jesus e tem 10% do que as comunidades do evangelho escreveram na segunda parte do primeiro século. O que está aí é um Cristianismo, branco, europeu (que seja romano, inglês ou alemão) e o que tentou ser diferente surgiu como norte-americano e totalmente dentro do sistema capitalista. As Igrejas antigas como católicas recriaram até no céu a hierarquia de classes sociais em que creem. Até os santos são divididos entre santos de primeira classe e outros de classe inferior. As Igrejas pentecostais não estão livres do que o papa Francisco afirmou nessa Quaresma falando dos católicos: “é preciso não aprisionar o Espírito Santo em nenhuma gaiola”.

Nos últimos 50 anos, na América Latina e em muitos países do mundo surgiram o que se chamou de “comunidades eclesiais de base” e as pastorais sociais de uma Igreja serviço. Não serviço para catolicizar ninguém mas para servir à libertação e à vida do povo. Nos últimos anos, muitos bispos e padres e até documentos oficiais da Igreja tentam confundir CEBs com pequenas comunidades eclesiais, ou seja, capelas das paróquias e comunidades tradicionais católicas que existem em todo canto. Alguém me perguntou qual a diferença de CEBs para uma outra comunidade eclesial qualquer. Respondi: As CEBs surgiram com a vocação de ser um novo modo de Igreja para ajudar a Igreja a ser ela mesma nova, renovada, transformada e transformadora. As CEBs são um novo modo de ser Igreja para ser um novo modo da Igreja ser... Isso é o que distingue as CEBs de outras comunidades de fé: o seu caráter profético e transformador. E esse é o espírito das pastorais sociais – lembrar que toda pastoral deve ser social, senão não é pastoral.

Para as Igrejas serem instrumentos desse novo mundo possível precisam superar o seu caráter clericalista e como diz Pedro Casaldáliga, “A Igreja deve ser mais do que uma Democracia. Deve ser Comunhão”. Para isso, nossas Igrejas precisam superar o Patriarcalismo e aprender das religiões afro a importância do ministério das mulheres. Precisam sair da camisa de força que as mantêm presas a normas morais das filosofias neoplatônicas como se fossem do Evangelho e a regras cultuais que identificam a Igreja com uma religião imperial antiga. Isso precisa ser superado para que nossas Igrejas se tornem mais e mais caminhos de espiritualidade e de liberdade humana. Aí sim nós estaremos caminhando na direção do que, há 50 anos, os bispos latino-americanos afirmaram em Medellín: “Queremos dar à nossa Igreja um rosto de Igreja pobre, missionária e pascal, que seja libertadora de toda a humanidade e de cada ser humano por inteiro” (Med 5, 15).

Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

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