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O medo da morte em tempos de vírus e a boa nova de Jesus

O medo da morte em tempos de vírus e a boa nova de Jesus

                Neste 5º Domingo da Quaresma, meditamos no terceiro dos grandes evangelhos usados na preparação ao batismo de adultos na Páscoa. É o relato de como Jesus faz Lázaro voltar à vida (Jo 1, 1- 45). No quarto evangelho, é o sétimo sinal que Jesus dá aos discípulos para que esses creiam em quem ele é e qual a sua missão. 

Hoje, o mundo conhece várias técnicas de reanimação e existem relatos de pessoas consideradas clinicamente mortas que retornam à vida. De fato, o que Jesus fez com Lázaro não foi ressuscitar, já que depois ele morreu de novo. No entanto, a reanimação de Lázaro foi sinal e anúncio da ressurreição de Jesus. Conforme o evangelho, esse sinal foi tão forte que provocou de modo mais imediato, a decisão que os chefes religiosos de Jerusalém tomaram de matar Jesus. Então, a primeira coisa que podemos dizer sobre esse evangelho é que por restituir a vida a um amigo, Jesus coloca a sua vida em risco e aceita ser condenado à morte.

O que o relato do evangelho acentua é que esse processo de ressurreição é uma aventura de amizade. É a partir da amizade de Jesus por Lázaro e pelas duas irmãs que ele faz esse anúncio de ressurreição e vida para todos. Gosto de pensar que, através de Jesus, uma relação de amizade pode ser força e luz para enfrentarmos o medo e a morte. Será que temos em nossa vida a feliz experiência de uma amizade que, em determinado momento, se tornou para nós o cenário através do qual Jesus nos diz: Vem para fora! Sai desse túmulo? 

Jesus se coloca em risco para restituir a vida a um amigo. Agora em tempos de vírus, de outra forma, muitos/as médicos/as e enfermeiros/as estão fazendo isso. O mundo inteiro está às voltas com o medo e os riscos de morte, trazidos por essa pandemia do coronavírus. O evangelho desse domingo mostra os discípulos de Jesus com medo de morrer. No caso nosso, o coronavírus mata mais, porque encontra um mundo doente de desamor, egoísmo e indiferença em relação ao outro. 

De acordo com o evangelho desse domingo, os discípulos sabiam que os sacerdotes e religiosos queriam matar Jesus e por isso não quiseram ir com ele a Jerusalém. De fato, em todo esse episódio, Jesus aparece sempre sozinho. Não se fala em discípulos, a não ser os três irmãos que viviam em Betânia e aos quais Jesus vai visitar. Ele estava do outro lado do rio Jordão. Pelo que conta o evangelho, estava escondido. Clandestino. (Até hoje, a missão é principalmente com os que estão do outro lado). Jesus vai sozinho a Betânia para estar com Marta e Maria que choravam a morte de Lázaro, seu irmão. O evangelho mostra que os três irmãos eram discípulos de Jesus. Esses discípulos moravam em Beth anicasa dos pobres. É na casa dos pobres que vivem os discípulos e é na casa dos pobres que Jesus se hospeda até praticamente ser preso e morrer. 

Hoje teríamos dificuldade de compreender o diálogo de Jesus com os discípulos. Quando Jesus diz que a doença ou a morte de Lázaro é para a glória de Deus, o que significa isso?  Talvez a tradução atual dessa palavra seja: A glória de Deus se expressa quando enfrentamos a morte e a doença. (Nesses dias, somos chamados a enfrentar isso diante dessa calamidade que é a pandemia do coronavírus). 

Jesus chega tarde a Betânia. Lázaro já tinha sido sepultado havia quatro dias. Quem leu o romance “Crime e Castigo” de Dostoievski lembra  dos dois personagens centrais, ele um homem que tinha assassinado uma senhora idosa e ela, Sonia, era uma prostituta. E os dois se amam, mas ele vai para a prisão e ela só sobrevive como prostituta. E ela diz: Não há saída. Não há solução. E ele responde: Lembra do evangelho? Fazia quatro dias que Lázaro estava no túmulo e Jesus o tirou de novo para a vida... Por que não pode fazer isso conosco? 

Jesus diz: Eu sou a ressurreição e a vida. Quem crê em mim ainda que esteja morto viverá (v 25). Para nós, discípulos e discípulas de Jesus, a ressurreição não pode ser algo do futuroou só do futuro. Tem de ser experiência presente e vivida agora e já. Para muita gente, a fé liberta do medo, porque traz uma revelação de confiança e proteção divina. Mas, a palavra de Jesus traz uma promessa de ressurreição que nos faz vencer a morte, como Jesus. O grito de Jesus “Lázaro, vem para fora!”(v 43) hoje se traduz de outras formas. Ele nos chama “para fora” de que túmulos e de que situações de morte? 

Daqui a uma semana, estaremos começando a Semana Santa e será celebrada de modo totalmente diferente (somos obrigados a permanecer isolados). Será que o coronavírus que mostra o fracasso do Capitalismo no mundo, mostrará também às Igrejas cristãs a falência do modelo clerical? Será que teremos a liberdade interior de sair dos túmulos de nossos acomodamentos e costumes já sedimentados e retomar um modo de viver a fé como o das primeiras comunidades cristãs que não tinham igrejas e celebravam nas casas, em pequenos grupos e de forma mais comunitária e laical? Precisamos intensificar o desejo e a preparação interior para celebrar a Páscoa como profecia que nos ajuda a viver na vida cotidiana e no nosso modo de ser um caminho pascal. Será que o fato de não podermos ter liturgias presenciais nos ajudará a descobrir a liturgia do coração e a possibilidade de voltar a uma fé vivida na comunhão (não pode ser individualista), mas na diáspora (dispersão) e de forma que, mesmo cada um em sua casa, nos ajude a nos sentir juntos no caminho de uma ressurreição nossa e de todo o mundo?  

 

 

Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

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