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Nascemos com o DNA da festa

               É impressionante como no Nordeste, o povo gosta da festa de São João. Até em um taxi que a gente toma, quando desce, o motorista saúda "Um bom São João para você", como em tantos outros lugares, as pessoas costumam dizer: Feliz Natal. Não é difícil compreender o que está por trás das festas juninas. Aliás, para dizer a verdade, o espírito da festa está no DNA do povo e quanto mais simples e ainda mantiver o jeito de viver comunitário, mais gosta de festa, de toda e qualquer festa. 

Na periferia das cidades e no interior, a vida é cada vez mais difícil e insegura. Sempre que vejo os morros de Recife ou passo por bairros pobres em Camaragibe (minha cidade natal), me lembro do verso de um antigo cântico litúrgico da Páscoa: "A vida e a morte se batem em um duelo estranho. O rei da vida, morto, reina vivo". O cântico pascal dizia isso de Jesus ressuscitado, mas nos tempos da ditadura militar, na clássica canção Pesadelo, Maurício Tapajós e Paulo César Pinheiro zombavam dos torturadores e algozes da ditadura, cantando: "Você me prende vivo, eu escapo morto. De repente, olha eu de novo".  

Toda festa, qualquer uma, tem esse sabor de ressurreição. Nesse São João, veio me visitar minha afilhada Clarinha com o seu namorado Pedro. E pela primeira vez na vida, eu tive de me interessar em saber que shows vão acontecer nos arraiais do Recife e arredores. E de novo, me dei conta de que a cultura atual favorece mais o espetáculo do que a festa. A festa é comunitária e de participação horizontal. O espetáculo é pago por alguém, o povo ou a prefeitura e mesmo se as pessoas aplaudem ou interagem dançando, nunca é a mesma coisa da festa popular. 

Nesse Nordestão de Deus, o que ocorre na festa de São João é que, por mais que a cultura dominante (capitalista) promova o espetáculo, o espírito de festa do povo se mantém, resiste e quase sempre acaba se sobrepondo. Como em uma profecia da vida sobre o mercado absolutizado como ídolo religioso do Capital. E tem de ser assim porque originalmente na natureza, essas festas juninas são marcadas pelo solstício do inverno (o sol que ressuscita e recomeça a nos dar dias mais longos e luminosos). E no Cristianismo, o nascimento de São João Batista significa um solstício dentro do coração da gente: ele anuncia o nascimento do Sol da Justiça que é o Cristo. 

Quando anunciou ao pai Zacarias o nascimento do seu filho (João), o anjo previu: "Por seu nascimento, muitos haverão de se alegrar". É a alegria messiânica, uma alegria meio louca e radical, mesmo no meio das dores da vida, a alegria que antecipa a vitória da salvação, ou seja, da libertação definitiva e revolucionária da vida e do universo. Essa subversão divina é profetizada por dois sinais familiares que parecem milagres e o são em um mundo onde nada é gratuito. Deus faz a mulher considerada estéril dar à luz e assim iniciar o tempo novo da salvação. Deus faz o mudo falar e profetizar o novo tempo que surge com  esse nascimento. Ao dar a luz a João (o nome significa Deus acha graça na gente e nos dá a sua graça), Isabel abre o mundo ao Novo Testamento. 

Muito concretamente, hoje, peço a Deus que me faça sempre de novo ter a graça de passar de um tipo de fé do Antigo Testamento (que eu amo, respeito e acredito ser atual, embora incompleta) para o Novo Testamento que também nunca é uma expressão completa ou perfeita da fé, mas é um jeito novo e mais livre de viver a experiência espiritual,  baseada na graça do amor e na confiança total do Espírito presente no mundo e nos falando, seja a partir de uma florzinha que brota na secura das estradas do mundo,  seja a partir do namoro ou da amizade das pessoas e de toda generosidade humana empoçada no coração de cada um/uma de nós. É a experiência de que toda vida espiritual só existe como do Novo Testamento se for profética. Não necessariamente daquele tipo de profecia heróica, sempre corajosa e coerente, mas mesmo que seja frágil, vacilante e sofridamente tímida, profecia no sentido de se viver para os outros e se mostrar pelo jeito de ser que viver e amar são sinônimos e é isso que nos faz passar da esterilidade para a fecundidade, da mudez para a comunhão maior do amor. 

                  Em cada pessoa que conheço e a quem amo (amo de coração ou, ao menos por opção decidida, mesmo aquelas com as quais não tenho tanta convivência), vislumbro Deus agindo. Que ele abra o útero envelhecido, meio endurecido de nossos corações quando eles parecerem estéreis e nos faça parir o mundo novo do qual tanto precisamos e solte nossa língua presa a tantas convenções para dizer: o novo chegou. Somos todos e todas, profetas e profetizas dessa alegria messiânica. 

Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

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