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Envio para esse mundo louco

                   Desculpe o que vou dizer, mas, se isso que o evangelho de Marcos conta aconteceu tal qual, penso que você não agiu muito bem com o grupo que o acompanhava com tanta confiança. Primeiramente, dá uma má impressão essa história de você fracassar em sua missão na Galileia, ser rejeitado em sua própria terra, sentir-se meio impotente e aí mandar os discípulos fazer aquilo que você mesmo não conseguiu. 

                No domingo passado, ouvimos o texto anterior de Marcos (6, 1 – 6), que afirma: Em Nazaré, você não fez seus sinais de amor, de cura, porque o pessoal não se abria a interpretar bem esses sinais. Ninguém ou quase ninguém acreditava em você. Como, então, aquilo que você mesmo não conseguiu, você agora, manda o grupo dos doze? Lucas diz que essa missão foi mais aberta. Foi dada aos 72 discípulos e não somente aos doze.

               Talvez você não imaginasse isso, mas o fato é que com essa história criou uma imensa confusão e muitos problemas graves e vergonhosos. Em nome desse mandato, piorado por um texto do evangelho atribuído a Mateus acrescentado algumas décadas depois da primeira redação e esse texto: “Ide pelo mundo todo e pregai o evangelho a toda criatura. Quem crê e for batizado, será salvo. Quem não crê será condenado”(Mt 28, 18). Simplesmente isso. Bom, fica só entre nós, eu tenho certeza que você não disse isso, ao menos desse modo. Até porque se eu pensasse que você teria dito semelhante ordem de desrespeito às culturas e às outras religiões, eu continuaria seu discípulo porque eu não consigo não ser, mas eu iria brigar com você até morrer. E eu teria de dizer como Moisés falou a Deus no monte Sinai: “Se você abandonar e castigar esse povo (que tinha adorado o bezerro de ouro), então rompa também comigo”(Ex 32). E graças a Deus, o apóstolo Paulo, parece que seguiu essa mesma linha quando disse: “Se for necessário, eu quero ser anátema (excomungado) em solidariedade aos meus irmãos judeus (que não te aceitaram como Messias)” (Rm 11). 

             Graças a Deus, eu tenho certeza de que você nunca agiria assim. Apesar do entendimento equivocado de que, muitas vezes, as Igrejas pensaram mais nelas e nas suas estruturas do que em Deus como Amor e na humanidade como a maior paixão de Deus, esse fato de você ter mandado os discípulos de dois a dois ao mundo hostil abriu um caminho para a realização do projeto divino no mundo. Claro que as pessoas que leem o evangelho nem sempre notam que você começou a enviá-los (foi o começo) e a primeira coisa foi que lhes deu poder sobre as energias negativas, (os espíritos maus). O que significa isso hoje para nós?  As condições da missão é de extrema pobreza (Não levem nada para o caminho, nem comida, nem dinheiro). Os antigos peregrinos de Juazeiro do Norte faziam exatamente isso e até hoje um grupo de peregrinos do Nordeste obedecem quase literalmente a essas regras. Mas, o mais importante é o que está por trás dessa recomendação: sejam pobres como os pobres que vocês vão encontrar. 

              O evangelho diz que os doze partiram e pregaram que todos se convertessem (mudassem de mente). A pregação não foi sobre uma doutrina religiosa e nem mesmo sobre Jesus. Foi sobre o projeto divino no mundo (o reino). E o texto diz: expulsavam o mal de muita gente e curavam os doentes, ungindo-os com óleo. Pouca gente percebe que essa atividade em si nada tem de religiosa: curar pessoas tratando-as com o remédio que havia naquela época e era conhecido da cultura deles, o óleo. Era a missão do cuidado. 

            Quem de fato, hoje em dia, vive esse testemunho do projeto divino no mundo e especificamente como realizam isso? O pessoal da pastoral da saúde? As pessoas que cuidam da agricultura ecológica? Os movimentos sociais que lutam por um mundo novo possível?

              Nesse sábado à noite em São Paulo foi com meu irmão Marcílio, meu sobrinho Filipe e um amigo dele, fui à nova versão da peça da Companhia do Tijolo “O avesso do claustro” sobre Dom Helder Camara. Além de ter reencontrado amigos queridos como Dinho Lima Flor, Rodrigo e os nove atores e atrizes do espetáculo, descobri que eles atualizam a mensagem de Dom Helder ao Brasil do golpe e do martírio da Marielle. 

              Começam a peça na porta do Galpão do Folias, teatro popular onde eles atuam. Começam com uma canção, composição própria, deles que me parece adequada à meditação desse evangelho de hoje: 

              Jesus, dia desses, me ligou e confessou 

              que não é muito chegado nessa história 

               de marcha pra Jesus. (Credo em cruz!). 

               Prefere ficar em casa tocando seu violão 

                e fazendo meditação. 

               Ele gosta de cuidar das plantas do quintal. 

              Acha exagerado esse pessoal que grita no microfone

               E fica berrando o seu nome: JESUS!

               Jesus, realmente, não entende o que se passa. 

               Jesus não entende a cabeça dessa raça. 

Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

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