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Despertar o Filho do Homem em nós e no mundo

Despertar o Filho do Homem em nós e no mundo!

               Não deixa de parecer estranho que as Igrejas que seguem o lecionário ecumênico comecem o ano litúrgico, no 1º Domingo do Advento com um texto do evangelho (Mateus 24, 37- 44), geralmente tido como anúncio do fim do mundo ou ao menos fim de um mundo. De fato, começamos o itinerário de um tempo novo, olhando a meta e tentando ver desde já a presença desse futuro dentro do presente, ou seja, no aqui e agora.

O trecho do evangelho escolhido para esse domingo nos traz o final das palavras de Jesus que, em Mateus, concluem o quinto dos grandes discursos e é o discurso sobre a escatologia, ou seja, a nossa esperança última e definitiva. Lucas situa essas palavras de Jesus no templo. Mateus diz que Jesus sai do templo e vai para o monte das Oliveiras. É o morro onde ele mesmo vai viver sua oração de vigilância na noite em que será entregue e onde ele vai sofrer sua agonia, a angústia, o medo, a tristeza diante de tudo o que está para acontecer. Na tradição judaica, (livro dos Macabeus), o monte das Oliveiras seria o local a partir do qual Deus julgará o mundo. Ali Jesus nos pede: Vigiem! O termo grego (gregoreo) significa “fiquem atentos”. Parece esses avisos que colocam em aeroportos ou shoppings: Cuidado com seus pertences. Só que no evangelho se trata do cuidado com a vida e com a casa. Por isso, Jesus dá duas comparações: a atitude de muitas pessoas no tempo do dilúvio que viviam as ocupações de cada dia e não se davam conta do que estava acontecendo e as pessoas de uma casa que foi assaltada que nunca sabem a que horas o ladrão iria chegar. 

Em ambas as comparações, a vinda do Filho do Homem é vista no contexto de acontecimentos pesados e negativos, seja o dilúvio, seja o assalto (no qual o Filho do Homem é comparado com o ladrão que chega de repente e inesperadamente). Provavelmente, Jesus usa como imagem um fato ocorrido. Uma casa que foi assaltada e que todos conheciam. Jesus aproveita o fato comentado entre todos e compara com a vinda do Filho do Homem. 

Nos evangelhos, Jesus usa essa figura mítica (o Filho do Homem),  às vezes, para designar simplesmente o humano (em línguas antigas não havia artigo definido e o jeito de designar um sujeito concreto  e o jeito de apontar um determinado leão era dizer um filho de leão – podia ser um leão adulto, mas ele era um indivíduo da espécie leão). Então o Filho do Homem era simplesmente o ser humano. Em alguns textos como esse, a figura do Filho do Homem, antiga divindade cananeia mediadora do Deus supremo, é usada no sentido de juiz que em nome de Deus executará o julgamento do mundo. Assim aparece essa figura no livro apocalíptico de Daniel. 

No discurso de Mateus 24, a figura “O Filho do Homem” é usada nos dois sentidos: o de juiz que em nome de Deus executará o julgamento do mundo e também como figura do Humano. O que é importante é perceber que o evangelho pede para vigiar e “estar pronto” (no grego etoismos) em meio às atividades corriqueiras do dia a dia e à noite no trancar a casa para o ladrão não entrar. Mas, como fazer quando o ladrão já entrou e já tomou conta da casa? E aí o ladrão não é o Filho do Homem. 

Nesses dias, em um encontro de cristãos inseridos na realidade, alguém gritou: Como manter a esperança em um Brasil no qual cada dia vamos perdendo mais as poucas conquistas que nos restavam e parece que grande parte da população continua entorpecida e nas mãos dessa direita do ódio e da violência? E o evangelho dizia: comiam, bebiam, davam-se em casamento até o dia em que chegou o dilúvio... 

Ao reler esse evangelho, primeiramente me pergunto se de vez em quando eu mesmo ainda não caio na ilusão que Mateus 24 adverte: Quando aparecerem pessoas ungidas dizendo que são consagrados em meu nome não acreditem nelas... Também não centrar sua fé no templo, mesmo ornamentado com ricas pedras... Não adianta reconstruir estruturas de Cristandade ou de Igreja voltada para si mesma... Nesse discurso, Jesus começa saindo do templo e para nunca mais voltar... 

Peço a Deus a graça de me libertar de qualquer clericalismo que agora o papa Francisco adverte como sendo um câncer para a Igreja (Quando vierem pessoas ungidas dizendo que é em meu nome não acreditem). Entre vocês sejam todos irmãos e irmãs. Não chamem ninguém de pai, nem de mestre. Nesse discurso é como se Jesus dissesse: Também entre vocês todos são ungidos/as, todos são consagrados e consagradas pelo amor divino... 

E a esperança que devemos viver e queremos despertar em torno de nós não é para o final do mundo e sim para aqui e agora. Trata-se do cuidado com a Casa Comum, com a vida das pessoas. É agora e aqui que começa essa parusia (emergência) do humano. 

Há poucos dias, em meio a notícias pesadas na Bolívia, na Venezuela, acordei de manhã lendo a notícia de que em Niterói uma mulher de rua, jovem e desarmada se aproximou de um comerciante e pediu um real para comprar um pão. Ele pegou um revolver, atirou nela e a matou na rua, pela manhã, na frente de todas as pessoas que passavam e depois tranquilamente guardou o revolver e continuou o seu caminho... Li e reli a notícia. Poucos momentos depois o telefone de um irmão (Ricardo) e a notícia de que tínhamos um novo sobrinho: Luiz. Que mistério terrível. Deus nos manda um Filho do Homem novo e lindo no meio da destruição de um mundo que parece não ter mais saída. Testemunhar agora essa parusia (isso é, manifestação visível da vinda do Humano) é corrermos juntos para prepararmos a casa (A casa comum) e a vida para esse humano que teima e insiste em renascer em torno de nós e em nós. É Advento de um mundo novo e de uma humanidade nova. Amém.   

  

 

 

Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

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