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Conversa, sexta feira, 12 de fevereiro 2016

Acabo de voltar de dois dias de encontro com os Missionários e missionárias do Campo no Mosteiro do Discípulo Amado na Serra do Catita, norte de Alagoas (município de Colônia Leopoldina) já perto da fronteira de Pernambuco, região de cana de açúcar e muita pobreza...

Esse grupo foi fundado pelo padre José Comblin nos anos 70 como decorrência da formação teológica de lavradores. E se formou como um grupo com três ramos distintos, mas unidos: os que quisessem ser padres (houve pouquíssimos), os que quisessem ser religiosos, isso é, monges como leigos, mas em um mosteiro em meio dos pobres, comunidade pobre e inserida na missão com lavradores da cana de açúcar. E um grupo de leigos casados ou não, que moram em suas casas, têm suas profissões, etc e se reúnem regularmente para avaliar a caminhada comum, planejar, rezar e estudar... Juntos... Uma ou duas vezes ao ano... Gente pobre e simples. Fora o grupo dos padres que não foi para frente, os outros dois grupos formam uma só comunidade constituída de homens e mulheres. Morando no mosteiro do Discípulo Amado (o povo da redondeza chama de "monges da Catita" - Catita é a Serra na qual fica o mosteiro). Um lugar lindo, lindo, lindo... Muito verde, terra boa, um riozinho correndo em meio às casas do mosteiro, no mesmo estilo das casas de lavradores da região, todas de telhado sem forro, rebocadas, brancas, iguais às casas dos pobres vizinhos... E em meio a um terreno desigual, com um rio em meio a pedras fazendo o barulho de uma cascata e mantendo sempre o clima bastante ameno... No mais alto, uma capela construída  em forma de estrela - pequena - um pouco maior do que a capela pequena do antigo mosteiro de Goiás, capela de muito bom gosto e rústica.

Embaixo uma casa que tem uma varanda agradável com cadeiras, o refeitório e cozinha, uma sala de conversa e uma pequena biblioteca.

Outras casas para hospedagem. Hospedam todo mundo que chega e com uma delicadeza e simplicidade comoventes.

Mais em cima da capela uma casinha onde estão os quartos dos monges (que são três permanentes) e uma das monjas (são duas irmãs que já eram freiras e foram para lá e moram lá). Perto do refeitório um puxado com alguns quartos - para o grupo que é dos missionários e sempre passam por ali. Homens, mulheres ou casais...

Nessa semana, se reuniram do Carnaval até o próximo domingo - uma semana. Participam de tudo do mosteiro - vigília de madrugada todo dia, oração da manhã - reuniões durante o dia, oração do entardecer e depois da janta - conversa comunitária.

Chamaram-me para dois dias de conversa com eles. Como eu sabia que um dos temas era a conjuntura atual brasileira, levei comigo o irmão e amigo Pedro Lapa que conhece bem o grupo, é economista e pode fazer análise de conjuntura melhor do que eu. Eu fiquei para responder a pergunta: Como descobrir uma palavra de Deus no meio disso tudo?

Eram umas 30 pessoas. A maioria de 40 a 60 anos. Alguns casais. Enquanto se reuniam os pais, as crianças soltas a brincar e adorando porque com um rio correndo entre as pedras, muito bicho, gato, cachorro, frutas, etc...

Fizemos tudo em forma de fórum a partir do grupo. Desse, dois irmãos (leigos casados) trabalham com os índios do Ceará... Contaram cada coisa impressionante de sofrimento e luta. Um casal e um consagrado leigo trabalham em Nazaré, interior de Pernambuco com catadores de lixo e cooperativa de catadores.... Formando. Fui lá uma vez. Mal pude ir no lixão. Não consigo respirar. Tive de voltar... Eles estavam ali diante de mim e eu tinha vontade de beijar as mãos e os pés dele de tanta admiração pelo trabalho que fazem... Mas, Fernando trabalha com o pessoal da Cracolândia de São Paulo. Nem posso imaginar isso...

A realidade é a que vocês já sabem. Apesar do governo Lula e Dilma ter melhorado o acesso ao consumo, as condições fundamentais, estruturais de vida não melhoraram. Em termos de cultura, impera a violência nas periferias e no campo. E a desorganização do povo pobre... Os que trabalham com jovens falaram do extermínio de jovens negros em várias cidades e da falta de projeto de vida para a juventude atual...

Como ler uma palavra de Deus a partir disso?

1° - A palavra de Deus não é algo que vem de fora da realidade e nem mesmo nada além. Deus está nessa realidade. Oprimido e perseguido. Como os empobrecidos do campo e da cidade e como os jovens. A realidade é hoje para nós o corpo de Deus e o único espaço possível para descobri-lo. Não há outro. O Deus que está fora disso - que se pensa encontrar nas catedrais e mosteiros por aí não é o Deus de Jesus que se encarnou - se esvaziou (Kenosis) e assumiu o mundo e o pecado do mundo. É um ídolo, por mais sedutor e bonitinho que pareça....

Então, descobrir a palavra de Deus é simplesmente entrar na realidade, assumi=la e vivê-la a partir de um ângulo próprio... O ângulo do amor, da misericórdia política, do ver a presença divina no pobre e na terra escravizada... E em meio à desesperança encontrar, viver e testemunhar esperança.

Para isso nos ajuda estar juntos, estreitar nossa aliança de vida, nos ajuda uma oração mais ligada à realidade - até hoje a de nossas Igrejas ainda peca pelo afastamento da realidade e nos ajuda olhar o que Deus já suscita de novo e de positivo no meio de tanta coisa difícil e negativa. Há sim solidariedades no meio do povo, há jovens fazendo teatro, música, arte, esportes que juntam as pessoas e lhes dão esperança... Há sim dizia alguém uma quadrilha de São João que fazia as pessoas unidas e organizadas no tempo de Sao João e capazes de rir da própria dor...

E  as Igrejas locais? Melhor nem contar o que ouvi... Entrego a Deus... E agradeço que os leigos e o povo têm maturidade suficientes para perdoar, para relativizar e para manter a fé e a esperança. Apesar de tudo...

E aí vimos nisso a missão do grupo. Não tenho permissão deles de escrever o que falamos, mas conversamos muito sobre a Campanha da Fraternidade Ecumênica e a urgência de um trabalho pela limpeza de nossos rios e pelo saneamento básico em nossos municípios.

Voltei contente e agradecendo a Deus a existência desse grupo e sua missão. 

Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

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