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Conversa, segunda feira, 12 de outubro 2015

Hoje, acabo o encontro de avaliação e celebração dos 20 anos de escolas bíblicas para juventude do CEBI - Goiás. Saí do meu antigo mosteiro às 14 h e agora estou no convento dos dominicanos em Goiânia. Morei aqui com eles dois anos. E foi muito bom. Agora, alguns dos irmãos com os quais convivi nessa casa (Dom Tomás e Frei Humberto) já partiram, mas os que estão aqui agora me acolhem sempre com muita amizade e abertura. Deus seja louvado.

Cansadíssimo do curso, da viagem e de um calor de 40 graus à sombra, simplesmente reparto com vocês essa reflexão que recebi do nosso querido irmão Reginaldo Veloso sobre a festa de Nossa Senhora Aparecida que a Igreja Católica no Brasil celebra hoje:

A Festa da Aparecida e sua inspiração maior   

-  Reginaldo Veloso

Antes de rezar o Ofício desta “solenidade” do dia 12 de outubro, hoje pela manhã, dediquei-me a ler, detidamente, a notícia que consta na Liturgia das Horas, edição brasileira da CNBB. Ao cabo da atenta leitura, fiquei-me perguntando sobre o tanto de “Evangelho” que haveria nesse circunstanciado relato... Até que ponto, uma notícia assim redigida, poderia alimentar a oração e a fé da Comunidade Cristã, naquilo que dever ser sua dimensão mais profunda, ajudando-nos no caminho do Discipulado e fortalecendo-nos o engajamento na Missão... Li e reli e percebi, ao final, como uma tal percepção do “sinal” da Imaculada Aparecida só serve à fomentação de um devocionismo que só faz perpetuar e agravar a deficiência espiritual de nossa gente, na sua imensa maioria,  sofrida e crente, que busca ansiosamente a proteção, o milagre, o remédio para suas mazelas... mas pouco ou nada encontra, nesta Mãe, de inspiração para o seguimento de seu Filho Jesus, no caminho da Cruz que liberta, da disponibilidade e entrega ao serviço do Reino, do enfrentamento do Mal, na busca de um mundo diferente, onde as mazelas que nos infelicitam são superadas pelo “milagre”, sim, da tomada de consciência com relação ao sistema de opressão e exclusão que nos é imposto, e o engajamento pessoal e coletivo, na luta libertadora pela justiça, pela igualdade, pelo respeito à dignidade e aos direitos de todos os filhos e filhas de Deus, realização das divinas promessas feitas “ em favor de Abraão e de seus filhos para sempre”, como, aliás, cantou, na esperança, a bendita Virgem e Mãe (Lc 1,45-55).

Nem uma palavra sequer, no sentido de ajudar a desvendar o “mistério” da imagem “negra” encontrada por uma família de afrodescendentes pescadores nas águas do Rio Paraíba... Na verdade, deve haver um “enigma divino”, que importa ser decifrado por quem tem “olhos de ver”, nessa coincidência de a Mãe do Senhor aparecer “branca” a brancos, em Lourdes e em Fátima... aparecer “morena” a um índio, em Guadalupe... aparecer “negra” a negros, no Vale  do Paraíba, em tempos de escravidão, início do século XVIII.

Quanta dificuldade tem a Instituição Eclesiástica de reconhecer-se, num país de maioria negra ou mestiça, como chamada por Deus a servir à causa da libertação dos oprimidos e excluídos, a engajar-se no combate ao preconceito, a contribuir para a convivência harmoniosa e enriquecedora entre etnias e culturas diferentes.

Quando veremos, por exemplo, o processo de inculturação da expressão litúrgica desencadeado pelo Concílio Vaticano II, há mais 50 anos (Sacrosanctum Concilium, 1963), atingir sua plenitude, a ponto de incorporar, com naturalidade e coerência, em todos os ritos, os traços multiculturais de nossa gente, sobretudo, da nossa raiz mais forte, que é, com certeza, a africana?... Como é bom recordar o que um idoso bispo negro, amadurecido nos embates com a ditadura, dizer com todas as letras que “a sociedade brasileira teria tudo a ganhar se se parecesse mais com um Quilombo, e a Igreja no Brasil, se se assemelhasse mais um Terreiro” (D. José Maria Pires, “Dom Zumbi”)... Apraz-nos, igualmente, lembrar com saudade, nesta data e no âmbito dessas preocupações, a figura inspiradora do Pe. Geraldo Leite Bastos, primeiro pároco de Ponte dos Carvalhos, na Região Metropolitana do Recife, nos albores dos fecundos anos 60, pioneiro das Comunidades Eclesiais de Base e da liturgia inculturada, multi-artista genial, que nos legou todo um cabedal de música litúrgica da melhor qualidade, inspirada sobretudo na música dos Terreiros, o qual dizia de si próprio: “Enquanto muita gente se diz ‘negro de alma branca’, eu prefiro dizer que sou branco de alma negra”.

Com especial alegria, para comemorar a Mãe Aparecida, nada melhor que comunicar o próximo lançamento, para a Igreja no Brasil, de um CD com preciosas músicas da Comunidade de Ponte dos Carvalhos (+ Pe. Geraldo Leite Bastos e Generino de Luna): <>. Na lógica e no espírito do antigo axioma “Lex orandi, lex credendi”, que esse primoroso repertório sirva à oração e à fé de uma Igreja que encarne melhor a divina solidariedade da Mãe Negra Aparecida.

Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

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