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Conversa com um jornalista

Conversa com um jornalista
J: O que está por trás dessa polêmica sobre a peça e a afirmação do cantor que gritou que Jesus é bicha?
M: - Em toda a Bíblia e toda a literatura sempre aprendemos que devemos ler "por trás das palavras". Atualmente, a polêmica se instala porque as pessoas não vão além das palavras. É preciso ir além das palavras. No evangelho, Jesus diz: Não são aqueles que me dizem Senhor, Senhor, que entram no reino dos céus, mas os que fazem a vontade do meu Pai que está nos céus.
Martinho Lutero afirmava: Deus prefere a blasfêmia de quem é justo aos aleluias e louvores de quem é injusto e ímpio.
J: - Por favor, clareie então porque ir além das palavras nesse caso concreto do qual estamos falando.
M: - É claro que no caso concreto as palavras podem encerrar um equívoco. Ninguém pode afirmar que o Jesus histórico (a pessoa histórica de Jesus de Nazaré) tenha sido gay ou transsexual. Nenhum documento histórico ou razão levaria a afirmar isso. E não é essa a questão. A questão é que ao negar que em uma peça teatral, Jesus possa ser representado por uma atriz transsexual o que se está negando é que Jesus possa se identificar com ela. Há 50 anos, o teatrólogo Ariano Suassuna fez o Auto da Compadecida e colocou Jesus como negro. Todo mundo sabia que Jesus, judeu do século I, não foi negro. Mas, todo mundo aceitou o que Ariano queria dizer com aquela peça ao colocar um ator negro para fazer o papel de Jesus. E não somente ele colocou o ator negro. Ele faz ele explicar no texto da peça:
- Por que eu não posso ser negro??? Então, por que não se pode aceitar que essa peça coloque uma atriz transexual para fazer o papel de Jesus?
J: - O preconceito.
M: - Claro. O que está por trás é o preconceito. Esses tradicionalistas cristãos não veem problema no Bolsonaro aparecer com a Bíblia na mão e pregar a violência e o ódio. Isso pode e não é uma blasfêmia. Não é blasfêmia os congressistas atolados em acusações de corrupção e ligados ao latifúndio se chamarem de Bancada da Bíblia e usarem a Bíblia para defender as posições mais contrárias à Vida, à natureza e à Justiça. O que os escandaliza é qualquer coisa que toque na moral sexual individual.
J: - Houve reações de setores eclesiásticos dizendo que é um absurdo falar em Evangelho segundo Jesus Cristo, já que ele não escreveu nenhum e que os evangelhos são sobre Jesus. São de Jesus, mas não segundo Jesus.
M - Acho lamentável quando a polêmica chega a esse nível dos casuísmos pequenos, mesmo mesquinhos. Há mais de 30 anos, o escritor José Saramago, prêmio Nobel de Literatura, escreveu: "O Evangelho segundo Jesus Cristo". Deveriam ter censurado o livro dele que aliás é bem mais anti-religioso e crítico ao Cristianismo do que essa peça.
J: Mas, na Bíblia, não existe Evangelho segundo Jesus Cristo.
M - Graças a Deus. E a peça não diz que existem. Se tivessem copiado um evangelho já escrito, estariam sendo acusados de falsificação. Como falaram em um evangelho segundo Jesus Cristo (que seria novo), são acusados de desrespeito.
J: Não seria desrespeito ao termo Evangelho que é religioso?
M- No mundo antigo, Evangelho era um termo político. Era um decreto de anistia dos imperadores romanos ou de outros reis. Paulo tomou esse termo (a tradução grega de Isaías já havia usado) para falar da boa notícia do projeto que Deus tem para o mundo. A peça diz que essa boa notícia é o Amor. Está certo.
J: - Para concluir: O que está por trás de tudo isso?

M - A tragédia é que, enquanto setores cristãos discutem se é correto ou não dizer que Jesus se identificaria com uma atriz transsexual, negros, homossexuais, transsexuais e outras pessoas marginalizadas e excluídas dessa sociedade dita cristã são agredidas, violentadas, assassinadas.... Ao afirmar que Deus, na pessoa de Jesus, se identifica com todas essas pessoas (vítimas ou não), estamos apenas reconhecendo a dignidade humana e divina de cada filho e filha de Deus. Como essa dignidade é negada nas pessoas dos que são considerados por essa sociedade como párias, é preciso insistir nisso: Sim, na pessoa de Jesus, Deus se revelou negro, mulher oprimida, transsexual e tudo o mais que for preciso para reafirmar à humanidade a dignidade sagrada de todo ser humano. É essa a questão. É a única questão que importa para Deus e para Jesus. O resto é resto...

Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

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