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Como ungimos hoje Jesus

Com qual título, ungimos, hoje, Jesus

                    Na liturgia latina, tivemos ontem o domingo de Ramos no qual o evangelho (Mateus 21, 11) termina com as pessoas perguntando quem é Jesus. Os peregrinos que o acompanhavam respondem: É Jesus, o profeta da Galileia. É na qualidade de profeta que Jesus entra em Jerusalém como o rei messias, anunciado pelo profeta Zacarias (Zc 9, 9). Nesse dia seguinte aos ramos, Jesus está de novo em Betânia, a três quilômetros de Jerusalém. E ali, seus três amigos, Marta, Maria e Lázaro, dão uma ceia na qual estão Jesus e os discípulos. Ao contar essa ceia, o evangelho usa termos que a ligam com a ceia eucarística. Em meio à ceia, Maria (Não confundir Maria de Betânia com Maria Madalena, nem com a mulher pecadora dos evangelhos sinóticos), toma um vidro de perfume de nardo puro e unge os pés de Jesus e o enxuga com seus cabelos. (Marcos diz que ela derramou o perfume na cabeça de Jesus, isso é o ungiu). João insiste que foi nos pés. No tipo de mesa oriental, muito baixa, os comensais estão reclinados, quase deitados. Imaginem uma mulher pôr o seu rosto entre as pernas de um homem considerado profeta, para perfumar seus pés e enxugá-los com os cabelos. A cena parece aludir ao Cântico dos Cânticos e ter caráter de afeto sensual. Na época, perfume era ligado à intimidade corporal. E é inusitado o fato de uma mulher tocar nos pés de um homem que não é o seu marido e em público. É normal que os discípulos reajam (Marcos diz que os discípulos estranharam e criticaram) João diz que só Judas protestou e foi com a desculpa do desperdício do perfume. André Chouraqui diz que o nardo é uma essência vinda de uma planta do Himalaia e era usada junto o óleo na unção dos reis. Na liturgia, tivemos ontem a procissão de Ramos que proclamava Jesus rei messias. Hoje, é uma mulher que o ama como amiga que o unge oficialmente rei e rei como esposo da humanidade, amante do novo Cântico dos Cânticos que a aliança divina quer estabelecer conosco. Esse é o Jesus dos evangelhos. 

Esse Jesus do jejum proclamado nesses dias por cristãos de direita é o Jesus, à imagem e semelhança de Igrejas e governos insensíveis aos sofrimentos do povo. É o Jesus de padres e pastores que, hoje, o ungem não com o perfume do amor e sim acusando-o de ter alguma culpa, ou estar se omitindo diante do que a humanidade está passando.

Nesses dias recebi mensagem de um grupo ligado à pastoral (em outro país) que fala de um mosteiro ortodoxo na Síria. Ali, no domingo à noite, uma monja teve uma visão. Ela viu Nossa Senhora pedir a Jesus: - Meu filho, por favor, livra o mundo desse vírus que está matando muita gente.E Jesus virava o rosto para o outro lado, furioso com a humanidade. Ela insistiu e ele repondeu: - Esse mundo se afastou de mim. Falta misericórdia, amor e oração. A monja se trasladou para um lugar de oração. Lá viu Nossa Senhora, vestida de monja que lhe disse: - Venci. Convenci o meu filho a que a deixasse a sua misericórdia dominar e eliminasse essa epidemia do mundo. Diga ao mundo inteiro que desenhe uma cruz com azeite sagrado nas janelas e portas de suas casas e na fronte de cada pessoa. Assim se suprimirá a epidemia”. É claro que, a partir dessa mensagem, estão distribuindo para todo mundo que quiser, o azeite santo da cura. 

Tive de ler duas vezes a mensagem para acreditar no que estava lendo. Como pessoas que se apresentam como cristãs podem crer em um Jesus assim que nada tem a ver com o Jesus dos evangelhos. Em uma situação dessas, me lembrei do dito popular: Com amigos assim, Jesus não precisa de inimigos. Woody Allen tinha razão quando dizia: “Deus deve ser um cara bom, mas os amigos dele, eu não recomendaria”. 

O evangelho de hoje tem ainda outros desdobramentos. Nele, Jesus diz a Judas que os pobres não podem ser apenas objeto de nossa ajuda (dar dinheiro). Pobres sempre tereis entre vós é um chamado à inserção. Será que nessa Páscoa, eu e você, somos pobres com os pobres? Temos pobres entre nós? Na festa judaica da Páscoa, havia o costume da partilha com os mais pobres. Jesus a atualiza propondo inserção e comunhão com os pobres. Isso só tem sentido a partir do Jesus que, como diz o livro dos Atos dos Apóstolos: passou pelo mundo fazendo o bem e curando a todos (At 10, 38). Como iria agora precisar de que sua mãe o convença para poupar a humanidade de um flagelo como o Coronavírus? 

Como cristão, acredito no Jesus que dá testemunho do Deus Paizinho dele e da humanidade, Deus a quem Etty Hillesun, jovem judia (28 anos) orava no campo de concentração, enquanto esperava o dia da sua execução: “Meu Deus, esses são tempos angustiosos. (...) Prometo-te apenas uma pequena coisa. Procurarei não piorar a situação com o peso de minhas preocupações. (...) Para mim, uma só coisa é evidente: é que, nessa situação tão extrema, Tu não podes nos ajudar. Somos nós que teremos de ajudar a Ti. E assim poderemos ajudar a nós mesmos/as. Em uma situação como essa, a única coisa que podemos salvar e a única que realmente conta é um pequeno pedaço de ti em nós mesmos/as, meu Deus. E talvez, possamos também contribuir para te desenterrar dos corações devastados de outras pessoas. Sim, meu Deus, parece que tu não podes fazer nada para modificar as circunstâncias atuais pelas quais passamos, mas isso também faz parte da vida. Eu não chamo em causa a tua responsabilidade (de Deus). Depois, talvez sejas Tu que declararás sermos nós os/as responsáveis. Quase a cada batida do coração, cresce  minha certeza: tu não podes ajudar-nos. Nós é que temos de ajudar a Ti, defender até o fim do fim, a tua casa em nós” (oração da manhã do domingo 12 de julho de 1942 - no livro Diário, Milano, Adelphi Ed, 1985, p. 169).


Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

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