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Artigo semanal, domingo 22 de abril 2012

A Mãe de todos nós

A ONU consagrou este 22 de abril como dia internacional da Terra. Normalmente os dias consagrados pela ONU são para categorias de pessoas ou para desafios da nossa civilização. Não existe dia de objetos ou mercadorias. Ao consagrar um dia à terra, a ONU parece deixar claro que a terra e os bens naturais são mais do que mercadorias e não podem ser objeto de compra e venda. É urgente insistir nisso porque, segundo Ricardo Abramovay, professor da Universidade de São Paulo, “a extração de recursos da superfície terrestre cresceu oito vezes durante o século XX e atingiu um total de 60 bilhões de toneladas anuais, a partir apenas do peso físico de quatro elementos: minérios, materiais de construção, combustíveis fósseis e biomassa” (citado por Washington Novaes, O Estado de S.Paulo, 6ª f., 13?04/ 2012). Essa atenção da ONU à Terra se liga a um movimento mundial que elaborou “a Carta da Terra”, documento coletivo que enuncia, como que, direitos da Terra que devem ser sempre respeitados, para que se garanta a comunidade da vida no planeta. Ao consagrar esse dia à Mãe Terra, a assembleia da ONU fez muita gente pensar: através desse gesto as Nações Unidas aderiram às expressões religiosas das culturas indígenas. Estas olham a Terra como mãe carinhosa que cuida da vida de todo ser vivo. Nos países andinos, os índios não bebem vinho ou água, sem derramar um brinde à Pacha Mama. Nas últimas décadas, a partir dos trabalhos do cientista James Lovelook, a própria ciência começou a ver a Terra como organismo vivo e inteligente que reage ao meio ambiente e cria condições propícias para a vida. Leonardo Boff fala da terra como Gaia, nome com a qual os antigos gregos denominavam como deusa a mãe Terra. Não se trata de propor uma volta à religião antiga, mas de resgatar a cultura amorosa e de respeito ao nosso planeta e a tudo o que o envolve.

No decorrer dos tempos, em várias partes do mundo, o culto a Maria, mãe de Jesus, assumiu elementos e aspectos de antigos cultos de adoração à deusa que, com nomes e atribuições diferentes, significava a Mãe Terra. No México, a devoção a Nossa Senhora de Guadalupe, na Bolívia, Nossa Senhora de Copacabana e no Brasil, Aparecida e outros santuários, mostram esse enraizamento do culto mariano nas tradições pré-cristãs da veneração à Mãe Terra. Em todos os lugares, histórias sobre aparições de imagens de Maria originam templos e lugares de culto. São elementos comuns aos antigos cultos à Mãe Terra. Irmãos evangélicos têm visto nesses costumes um risco de idolatria. De fato, conforme a fé cristã, o único Salvador é Jesus e só ele pode ser objeto de adoração e culto. A Igreja Católica, em sua liturgia, só dirige orações a Deus Pai, por meio de Jesus Cristo, na unidade do Espírito Santo. Na liturgia católica, não há preces diretamente dirigidas a Maria ou aos santos. Entretanto, a tradição católica faz uma distinção entre adorar e venerar e aceita o culto dos santos como recordação das maravilhas que Deus faz no meio da humanidade e como exemplo para nossas vidas. 

De fato, Deus é amor e sempre se revelou contente quando as pessoas veem na Terra e em todos os seres vivos sinais e sacramentos de sua presença. Conforme a Bíblia, quando se revela a Moisés, na sarça ardente para fazer uma aliança com o povo (Ex 3), a primeira palavra que Deus diz a Moisés é: “tira as sandálias dos teus pés, porque essa terra é santa”. Do mesmo modo, o último livro da Bíblia cristã, o Apocalipse, narra que quando a Mulher, símbolo da comunidade messiânica e de toda a humanidade é perseguida pelo Inimigo, quem a acolhe e a protege é a terra (Ap 12).

Em uma sociedade que vê tudo como mercadoria e perdeu a consciência da dignidade da terra, seria importante que, em todas as Igrejas, a espiritualidade cristã resgatasse essa dimensão ecológica de comunhão com a terra e a natureza. O povo católico que gosta de venerar a Maria é chamado a ver na Terra um sinal da presença protetora da mãe do céu, que por sua vez é para todos os cristãos um sinal do Criador. Sem confusão, nem risco de idolatria, tanto a mãe terra como a figura de Maria, mãe de Jesus são como um grande sinal do amor divino por nós e cuidando da terra nós estamos contemplando e acariciando uma manifestação de Deus.

Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

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